A perpetuação no poder das estações é um risco à democracia climática. Nosso território está sendo transformado numa Cuba com temperaturas médias de têmporas suadas em período integral. É a ditadura do calor úmido que, sorrateira, crava-se entre nós. A sadia alternância de poder sobre o termômetro foi deixada de lado há alguns anos. Depois que o frio provou do que é capaz – fez até nevar em 2013, lembram? – o calor perpetua-se, soberbo e autoritário.

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Seus militantes comemoram a cada fim de semana de altas temperaturas. Não os julgo. Questiono a capacidade de raciocínio de quem está sob a pressão de 30 ºC ou mais. Eu mesma me coloco à prova nestes dias. Não há atividade intelectual capaz de persistir por mais de cinco minutos. Pois os militantes vão à praia, festejam com infindáveis banhos de mar e muita bebida gelada. Os defensores mais devotados deleitam-se esticados sob o sol, entre as 10h e as 14h, provando a adoração.

A sensação térmica tornou-se nossa velha conhecida. As conversas no elevador não são mais as mesmas. Não há espaço para diálogo, apenas discordâncias de posições. Tem de se gostar do calor ou do frio, ficando sem lugar quem rumina dúvidas e talvez prefira o frescor entre 15 ºC e 20 ºC. Sob efeito do calor, os ânimos se exaltam com facilidade. Vários especialistas saem do armário ao menor sinal de que o interlocutor citará a frase pronta sobre a temperatura do dia. Doutrinados, dão aulas que o calor é muito mais intenso por conta da relação da umidade e densidade do ar, mais isso e aquilo, citando Puchalski como fonte.

Não se pode negar o bom trabalho do calor. É sob seus efeitos que as plantas crescem verdes e vistosas. Com ele no comando do tempo é que pipocam abacaxis, laranjas, papaias, abacates, uvas e toda sorte de cores e delícias que, segundo a cartilha imposta pelo clima quente, devem ser apreciadas geladas. Mas é preciso abrir espaço no menu. Não se pode viver de picolé e sorvete o ano inteiro.

Precisamos de risotos, chocolates quentes, cafés de toda sorte – dos pingados aos macchiatos, passando pelos espressos e cappuccinos -, brownie e petit gâteau. A ditadura invade nossas casas, não nos deixa dormir sem que se tenha ar-condicionado ou ventilador potente.

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O calor tem de abrir espaço à diversidade pela democracia conquistada na porção abaixo do Trópico de Capricórnio há milhares (ou milhões, imagine!) de anos. Não é possível mais aguentar a perpetuação de poder. O frio precisa ter o espaço que lhe é de direito. Impeachment (do calor) já.