Os fins de tarde numa praia que durante o dia é lotada de gente besuntada cozinhando ao ar livre, disputando cada metro quadrado de areia e água salobra, podem ter sabor diferente quando chove. Aquela chuva repentina, que cega o sol, enegrece o dia e assopra para fora da praia os intrusos. Faz guarda-sóis coloridos voarem, toalhas e sacolas dançarem no ar, criança tropeçar e o vendedor do milho fechar a quitanda. Depois da chuva, a praia ressurge outra. A areia sem marcas de pés parece nova. O mar calmo. Quase silêncio. O sol volta para ver se está tudo em ordem. Continua depois da publicidade
Outro dia arrisquei sentar à beira-mar para assistir à calmaria daquele fim de tarde que só uma trovoada braba seria capaz de semear numa praia em dia de 40 °C. Mas coisa intrigante acontecia por lá. Já vi muita gente com fones. Fones coloridos, diferentes, enormes, imprimem estilo na academia, pista de corrida, no Ramiro. Mas o que faria aquele senhor com enormes fones brancos dentro daquele mar cheio de peixe – uma traineira estava perto da costa -, mas vazio de gente?
A Praia Alegre é praia simpática. Não se importa muito com as frescuras da Brava, muito menos com a agitação consumista da Central de Balneário. Não é linda, como tantas concorrentes litorâneas. É feliz porque abraça gente de todo lugar, perto ou longe. Já foi feia, mas recebeu um trato, melhorou. Ainda que tenha o mar pouco atrativo para banho, está sempre cheia. Com águas calmas, é tranquilidade para pais. Convidativa também para quem não é hábil em escapar das ondas. Por isso, sempre tem alguém à vontade na sala de Iemanjá. Sozinho, locatário único de toda aquela baía, ao menos por hora, aquele senhor de grandes fones brancos não estava relaxando. Continua depois da publicidade
Com água pouco acima do umbigo, andava para lá e voltava, atento a alguma coisa. Olhava para baixo, prestando atenção em algo que nos era velado pelo mar turvo. Com camiseta e boné, parecia pai deixado do lado de fora da maternidade. Com tempo de sobra, sentada na ponta de um banco de madeira molhado, restou-me conjecturar sobre o que acontecia. Teria perdido algo? Triste tragédia, seria. Não são poucos os causos de gente que perdeu toda sorte de tudo enquanto se banhava. É mais fácil encontrar uma garrafa com mensagem do que o objeto sumido no mar. Cogitei pedir a opinião do senhor sentado na outra ponta do banco molhado. O que ele faz lá, hã? Mas o homem velho, de bigodes grossos, óculos caindo pelo nariz e barriga saliente na camisa branca não parecia querer papo. Olhava com atenção o maluco do mar.
Arrisquei que fazia alguma nova modalidade de atividade física. O que não se faz pelo abdome trincado? Há quem saltite por aí em gerigonças nos pés, outros erguem pneus de tratores e alguns trocam comida por ração. Mas aquele homem era movido por um desígnio muito mais profundo do que a imagem no espelho. Até que após alguns pares de minutos, quando a plateia pensava em desistir, ele ergueu os braços. Eu e o senhor não piscamos. O que era aquilo? Nos braços, lanças de metal. Nas pontas, um disco cada. Eram detectores de metais. Tratava-se de um caçador de anéis, colares e tudo o que o mar pode sugar dos distraídos. Estava em busca de restos alheios, o triste fim de gente que só quis passar o dia na Alegre.