Há paixões que não têm explicação. Desta, é certo, passei longe. Talvez por isso não a entenda. Assistir a um jogo de futebol num estádio nunca esteve nos meus planos de lazer para a tarde de domingo. Isso pode dizer muita coisa, adianto. O risco de um drone zanzando sobre o campo em pleno jogo me pareceu merecer mais atenção do que o próprio jogo.

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A negligência alheia é meu álibi para justificar que não vi o gol, apesar de estar sentada a poucos metros da rede que balançou enquanto observava atenta aquela mosca branca eletrônica com câmeras acopladas. Ir ao estádio mais supriu minha curiosidade do que trouxe experiência esportiva. Minhas referências de torcida eram relativamente parcas.

Além do meu irmão, que começou a torcer pelo Botafogo após o título de 95, e do meu pai, que descobri ser torcedor do Flamengo quando eu já beirava o fim da adolescência, não tinha referência familiar de torcedores. Ambos sempre foram, digamos, discretos. Só relacionei paixão e torcida quando, por anos, sempre às quartas, começava a ler o Santa pela coluna do Fabrício Cardoso.

Ele colocou o Brasil de Pelotas no meu vazio mapa futebolístico. Outro dia alguém achou curioso eu conhecer um time, digamos, de menor potencial midiático (exceto nas colunas do Santa) e tive de explicar como contrariei o senso comum. Até que juntei as escovas de dentes com um palmeirense que parece só ter camisas do time no armário. Meu conceito do combo torcida e paixão foi atualizado, apesar de ele afirmar que seja um torcedor médio, sem grandes arroubos.

Até para quem não está muito atento às intempéries da tabela do campeonato seria difícil ver de dentro da torcida adversária o próprio time jogando. Gol sem gritar é uma afronta à etiqueta das quatro linhas. Torcer não tem qualquer relação com racionalidade, concluí no estádio. Torcedores não resguardam qualquer cuidado com o vocabulário ou gestualidade, mesmo que na arquibancada exista diversidade familiar.

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Isso vale para o juiz, os jogadores do próprio time, os adversários, o presidente do clube e por aí vai. Na torcida do Figueirense, que jogava em casa, “Vai, seu ixtopô” era a frase mais ouvida. Infiltrada, não pude deixar de constatar que os manézinhos têm léxico próprio durante as partidas. Para torcer num estádio é preciso mais que fortes sentimentos pelo time.

Protetor solar é indispensável. Talvez não tenha dado sorte. Aquela tarde de outubro provou que é possível ter todas as estações num dia. Não queimei a testa graças à faixa de plástico preto com algum dizer de incentivo ao time da casa. Teve quem nem viu a bola passear. O sol tratou de mandar uma dúzia para a ambulância. A chuva foi a última gota para quem já não via mais saída para o jogo em desvantagem à equipe local. Quem resistiu ainda viu o time tratar de marcar o gol de honra – este eu vi, que se registre.

No estádio nem tudo tem lógica. O vendedor que na mesma bolsa tem pipoca e camisinha; os seguranças sentados na beira do campo; o policiamento de dar inveja a qualquer cidade do interior; o jogador que parece criança fingindo dor para ganhar um beijinho da mãe; torcer tanto sem, aparentemente, receber nada em troca. Há coisas que só a paixão explica.