Como expectadora do cotidiano, há algumas semanas percebi sentimento comum entre parte de familiares, amigos e conhecidos. Pelas redes sociais, vi que desconhecidos partilhavam – ou melhor, destilavam – de condição semelhante. Algo também presente, ainda que dissimulado, em alguma parte da imprensa. Parece que estamos absortos em ódio, especialmente no que se trata de política. Aos poucos ficou claro o quão perigoso e conveniente pode ser este sentimento, especialmente em momentos tão delicados quanto o que vivemos. Não fujo da minha condição de cronista – como deixei claro no começo deste texto.
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O estado desta paixão às avessas parece ser capaz de incitar o impensável em quem até pouco tempo não dava sinais de que partiria à agressividade. O ódio mora em nós, apenas floresceu? Perde-se a capacidade de conversa, troca de ideias e argumentos. Não admitimos que furem a bolha ideológica que nos aconchegamos. Ao sinal de controvérsia, o ódio mostra os dentes. Parecia que esse sentimento obscuro ficaria no campo das ideias ou avançaria até a violência moral, mas já vai além, como se tem noticiado.
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O ódio tem a conveniência da cegueira. Ninguém que está tomado dele – ou da paixão, o inverso equivalente e que pode ser tão perigoso quanto – é capaz de pensar com clareza. As lentes do ódio cegam. Obstruem a visão, não permitem enxergar mesmo o que parece ser evidente. Nesse caso, instintivamente seguimos adiante trilhando o caminho que nos indicam pelos ouvidos. O senso crítico, que é capacidade de refletir e ponderar, buscando luz e sombra no que se debruça, também não é contemplado pelo ódio. Assim, ele se torna conveniente e, por isso, perigoso.Continua depois da publicidade
A outra face deste sentimento que percebi ameaçador é a segregação. O pensamento distinto e a liberdade de expressão são, em tese, elementos básicos da democracia. Mas não do ódio, que veta outra forma de pensar – portanto, exclui o diferente. A saída para uma crise – seja ela qual for – parece estar evidente na união do que há em comum, mesmo que divergências continuem existindo. Portanto, trata-se de ter adversários, não inimigos (alguns pensadores contemporâneos explanam este conceito que me aproprio aqui). A diferença básica é que os primeiros discordam, mas não se odeiam, portanto, são capazes de ponderar pelo bem comum, coisa que não acontece com os inimigos, que caminham à destruição mútua.
Manter-se acomodado na própria bolha de ideias e opiniões é conveniente. Soa urgente diversificar interlocutores – ouvir o que não queremos- e ponderar, construindo formas próprias de entender o presente e o passado. É preciso esforço para aproximar a agulha e tentar estourar a bolha que cada um de nós está.