Dizem que ser mãe é padecer no paraíso. Foi observando as mães próximas, como a minha própria, sogra, cunhadas, professoras e amigas que descobri o sentido do ditado. A verdade é que as mães poderiam padecer menos se mudássemos algumas chaves que nos estruturam enquanto sociedade. Os indicativos dizem que não é tarefa simples, tampouco há culpados exclusivos. Reduzir o romance em torno da maternidade seria um bom começo. Ontem exaltamos o amor por elas. Mais que isso, é preciso dar condições diárias para que a maternidade seja mais leve com menos carga de trabalho, julgamento – tanto próprio quanto alheio – e culpa. Há detalhes (nada pequenos) que impedem o começo da mudança.

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Por que há trocadores apenas em banheiros femininos? Ouço relatos de raras exceções de banheiros masculinos com o acessório. Leis precisam garantir o direito à amamentação. Esqueceram que o peito, muito antes de receber atributos libidinosos, é garantia de suprimento e conexão entre mãe e bebê, que deveriam ter o direito automático de ser alimentado em qualquer lugar. A desculpa de que a ligação entre mãe e filho é biológica e por isso elas têm mais responsabilidade não cola mais. Mães e pais devem ser igualmente responsáveis pelos filhos, o que, na prática, ainda é raro ver por aí. A maternidade segue como um ponto negativo no currículo das que continuam suas carreiras profissionais. Pensando num sentido amplo, em que a cultura afeta diretamente políticas públicas, é notável que os passos ainda são vagarosos em direção à maternidade mais leve.

Nos casos de divórcio, a guarda dos filhos continua sendo, massivamente, com a mãe. Esta é a realidade em 85% dos casos, segundo dados do IBGE registrados entre 2013 e 2014. O saldo de guarda compartilhada cresce, mas neste período corresponderam a apenas 7,5%. Ao mesmo tempo, o número de divórcios em que o pai é o principal tutor vem caindo. Ainda engatinha a aplicação da guarda compartilhada, consequência da cultura que coloca a mulher como principal (ou única) responsável pelos filhos e de um judiciário que custa a se atualizar. Pior para as crianças, que ficam mais suscetíveis aos casos de alienação parental (abuso emocional envolvendo pais e filhos ou outros parentes), restringindo acesso do pai aos filhos e sobrecarregando as mães.

Ainda cabe exclusivamente à mulher pensar na contracepção, seja ela solteira ou casada. O caso dos métodos contraceptivos masculinos pouco ou nada avançaram, enquanto as mulheres receberam uma avalanche de medicamentos desde os anos 1960, que só agora começam a ter os efeitos do uso contínuo questionados. Da redução da libido, inchaço e ganho de peso até problemas graves, como trombose e acidente vascular cerebral. O aborto é ainda tratado como tabu, e não como problema de saúde pública que realmente é. As mulheres mais pobres e com menor grau de escolaridade são as mais penalizadas com a discussão que se tem medo de colocar a mão. A estimativa, segundo pesquisa da Universidade de Brasília, é que uma em cada sete brasileiras já tenha feito aborto. E a maioria é casada, já têm filhos e segue alguma religião, ao contrário do que prega o senso comum.

Em plena segunda década do século 21, para ser mãe ainda é preciso doses compatíveis de amor, coragem e altruísmo. Às mães, minha admiração.

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