Os jantares já não são mais os mesmos. Chegamos ao restaurante, check-in (sempre marcando os acompanhantes, claro). Sentamos, selfie. Banheiro com espelho, mais selfie. Snap e Whats para descontrair. A comida chega, foto – #instafood #foodporn # jantardelicia. Na mesa, meia dúzia palavras ditas, mas vários kkkkk e muito hahahaha online. A vida real virou off? Parece que está sendo desligada. Imagino a angústia do garçom.

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Pimpão, apresenta a carta de bebidas. Tenta explicar tudo o que aprendeu sobre cerveja artesanal e vinho chileno para agradar o cliente. Mas ninguém tem mais paciência para conversar e ouvir a explicação das indicações do dia. Comida? Alguma que seja bonita para o Insta. Celular numa mão, garfo noutra. Uma atitude tinha de ser tomada para dar cabo das mesas-zumbis.

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Guarda-volumes para celular. O restaurante de Blumenau que instalou o novo item no mobiliário ainda oferece de brinde uma sobremesa ao casal que conseguir ficar todo o jantar sem fazer o resgate do aparelho. Espero que um dia a gente consiga dar risada do dia que um estabelecimento ofereceu algo em troca para que as pessoas conversem à mesa e aproveitem a refeição. Estamos chegando na beira do precipício – o mesmo que de vez em quando alguém cai tentado fazer a melhor selfie de todas?

É natural que cada nova tecnologia cause algum temor e mude nosso jeito de viver. O telefone afastaria as famílias, o rádio ocuparia o tempo das conversas, a TV substituiria o rádio e o jornal. As coisas não foram bem assim, mas o celular tem alcançado o que – parece, ao menos – o temido extremo. Outro dia um conhecido viajou ao Paraná para visitar a família. A expectativa de conversa com os tios foi substituída pela realidade de que se juntaram à sala para cada um dar atenção ao próprio celular. A tecnologia é o que fazemos dela e o que deixamos que ela faça de nós. Controlar ou ser controlado é, em algum nível, questão de escolha.

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Ainda que o prólogo seja pessimista, a tecnologia móvel, que cabe no bolso ao alcance do polegar, trilha também um caminho otimista. Ao menos prefiro enxergar por este eixo. Exemplo são as mobilizações online que saem do virtual e vão para o real. Entre tantas outras facetas, o mundo na internet firma-se como ferramenta para alavancar e mobilizar mais pessoas em torno de causas que trazem benefício ao que é palpável. Exemplo fresco é o caso da ocupação da Prainha no sábado.

A vontade de fazer algo positivo ganhou impulso com a mobilização online. Claro: nada aconteceria se não tivesse gente disposta a arregaçar as mangas. Mas, sem dúvida, o que antes ficava restrito a determinados públicos se espalha com muito mais velocidade e, talvez,certa democracia. O conhecimento e a informação ficaram mais acessíveis, ainda que haja implicações sobre como lidamos com ela. Parece que a questão é encontrar o equilíbrio. Espero que não demore muito a acontecer.