A chuva grossa da trovoada do fim de tarde batia com força nas janelas do ônibus. O minhocão estava lotado, mas a fila do lado de fora não dava sinal de acabar. E o cobrador ainda insistia com certa paciência com o clássico mais um passinho para trás. O problema é que lá atrás não tinha como dar um passinho. Nem na frente, nem no meio. O bafo daquela lotação deve ter feito mal às pessoas. Não me pergunte o que levou aquela senhora a ameaçar o rapaz com o guarda-chuva. A briga começou assim, perto da catraca, onde eu enraizava. Os gritos dela motivaram quem já estava insatisfeito com a situação de sardinha. O desconcerto daquelas reclamações desordenadas mostraram o óbvio que até então não era tão claro para mim.
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Decidi que seria a última vez que passaria por aquilo. Na época pegava cinco ônibus por dia. Não seria fácil escapar de causo semelhante, mas estava determinada. Pensei em comprar uma moto, mas para uma estudante que suava para pagar a mensalidade no fim do mês isso não era tão fácil. Para escapar dos ônibus transbordantes, saía muito mais cedo de casa e ficava até mais tarde no trabalho. Assim escapava de pelo menos um dos incômodos de cruzar a cidade diariamente usando o transporte coletivo.
Aquela briga molhada pela chuva típica do verão blumenauense me fez refletir que as coisas poderiam ser diferentes. Pensei que era baixa a possibilidade de algum diretor das empresas detentoras do serviço já ter passado por situação semelhante. Nem mesmo os representantes do próprio poder público que têm na mão a caneta que poderia mudar aquela realidade. É como vender algo que nunca se provou. Afinal, o pensamento retrógrado que ainda nos permeia – mesmo que jamais admitido em voz alta – é que o transporte público serve para atender quem não tem poder aquisitivo para comprar seu próprio veículo. Não à toa Blumenau namora o topo de ranking da relação entre veículos e moradores – e trânsito engarrafado. Na primeira oportunidade, cada um tenta fugir dos sacolejos e apertos dos ônibus, além de ver no carro próprio um símbolo de algum poder financeiro.
Se o pensamento fosse diferente, não teriam construído um dos maiores terminais junto de um aterro sanitário. Não foram poucas as horas que já passei enjoada esperando o coletivo com destino às Itoupavas. A divisão de classes que permeia o pensamento sobre o transporte público tem reflexo colorido. Os vermelhinhos, agora verdinhos, oferecem conforto adicional a quem estiver disposto a pagar mais. Não seriam necessários caso o transporte fosse de fato pensado para todos.
Muito mais que sobre bicicletas ou dentro de carros elétricos, parece claro que a mobilidade do futuro vai andar em ônibus, metrô, VLT, trem e qualquer outro semelhante que a tecnologia nos apresentar. Investir em novas pontes, vias e estratégias que privilegiem os carros e esquecer do transporte coletivo é secar gelo. É hora de Blumenau transformar a crise em oportunidade de criar um transporte bom para todos.
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