Última segunda-feira deste estranho 2016. Saiba, leitor, que gostaria, sinceramente, tratar de assuntos mais palatáveis nos próximos 3 mil caracteres. Ao escrever a coluna, pouco sei o que há nas páginas anteriores a esta. Provavelmente algum assalto, acidentes na BR-470 e o feliz Colmeia. Assuntos recorrentes, como este aqui na caixinha 23 às segundas, eu sei. Desculpe o transtorno, mas preciso, de novo, falar sobre a cultura do estupro. Ela permeia nosso dia a dia, mostrando as garras menos em palavras ditas e mais em hábitos grotescos que remetam a séculos distantes. Uma volta ao passado foi o que senti quando me deparei com o resultado da recente pesquisa do Instituto Datafolha.

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O estudo reitera o que as mulheres já sabem – e sofrem -há muito. Dos 3,6 mil entrevistados, entre homens e mulheres, 33,3% acreditam que a culpa do estupro é da vítima. Em contrapartida, 85% das entrevistadas disseram ter medo de sofrer estupro. Do total, 37% avaliam que “mulheres que se dão ao respeito não são estupradas“. Os números provam que não voltamos, mas sequer saímos do passado.

Em 2013, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelou que 70% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes. Pelo menos 32% dos criminosos são amigos ou parentes da vítima. A conta tem um resultado indigesto, mas tente fazê-la. Juntos, os três dados pintam o cenário de horror que é a realidade. A estatística aponta que as vítimas, em geral, são crianças, violentadas por pessoas próximas, e boa parte da população ainda acredita que quem sofre a violência é merecedora dela.

Numa sociedade que prega, mesmo que nas entrelinhas, que o corpo da mulher é acessível a qualquer homem, as crianças estão entre as mais vulneráveis. Presas frágeis, por isso, fáceis, a quem parecer ter nascido no tempo das cavernas. Exemplo destes é um jovem youtuber, preso há algum tempo, que incita a pedofilia e defende que a iniciação sexual de meninas comece pelo pai. Raramente se fala sobre, mas em alguns cantos do Vale do Itajaí a cultura desta violência mantém raízes. Recorro ao Código Penal para esclarecer o que a legislação entende por estupro desde 2009.

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O artigo 213 diz que estupro é “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso“. A pena é de seis a 10 anos de detenção. Em caso de menores de 18 anos ou maior de 14 anos, a pena varia de oito a 12 anos de cadeia. O artigo deixa claro que se não há consentimento é crime.

Consentir, explica o dicionário, é permissão para que alguém faça algo; declaração de que não há objeção ou discordância; manifestação de quem aprova alguma coisa; declaração favorável a uma ideia ou ação. Trata-se de similaridade de pensamento, vontade, interesses, ou aceitação mútua dos respectivos interesses e vontades, sem conflito em vista de um objetivo comum. Aos 33,3%, que fique claro: estupro é crime e consentimento não é opcional. Roupas, atitudes ou mesmo o silêncio não expressam consentimento. Não é não.