Quando o calendário bate no 31 de dezembro, me recolho. Não que seja adepta de meditações para boas vibrações em prol do ano que começará na próxima folha. É só uma tentativa de fugir do caos. Dada a quantidade de gente que invade os supermercados, se não soubesse da data desconfiaria da proximidade do apocalipse. A vontade de comer alguma fruta cítrica e fazer clericot para o Réveillon acabaram me seduzindo ao errôneo passeio no que bem poderia ser a casa de praia de Lúcifer.
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Ir a um supermercado praiano em datas como essa é uma atividade que deve ser feita em quadrilha. Neste caso, dupla. O escolhido tem DNA e sardas semelhantes. Enquanto um faz as compras, o outro trata de criar raízes na fila. O calor e a ânsia de emergir logo daquele formigueiro nos pregam peças. A estratégia foi aderir ao caixa rápido. Apesar de o adjetivo naquele momento servir de ironia ou piada de gosto duvidoso. Ainda assim, não havia sinal de qualquer contravenção por ali. Meu comparsa alinhou-se atrás dos cidadãos de bem exalando protetor solar.
Entre idas e vindas para entregar o que colhia, a fila praticamente não andou. Por fim, coube esperar juntos o fim da derradeira compra de 2015. Quando achei que a emoção por ali seria aguentar todo aquele tempo em pé e superar o fato de ter ido às compras pela primeira vez de biquíni – com uma relativamente densa saída de praia por cima, que se diga -, eis que uma surpresa se descortina. A cinco pessoas de finalmente conquistar a liberdade – ao menos até entrar na fila do trânsito para voltar para casa – somos acusados do crime cometido por engano.
Uma senhora empurrou o carrinho até o nosso lado e parou. Falou ao vento algo sobre a dor nas costas e fez alguma reclamação do óbvio. Irmãos nem sempre precisam conversar com a boca. Julgamos que pela quantidade de sal que a senhora carregava, queria temperar a piscina de casa. Ela passou na nossa frente. Tudo bem. Fomos educados para respeitar os mais velhos, seguir as leis e não falar com estranhos. Mas por que ela não escolheu a fila que lhe é própria por direito?
Então percebemos que o mais adequado seria questionar o motivo de termos escolhido a fila que é de direito dela. A tortura foi dupla: não saber se mudávamos ou se ficávamos ali, como criminosos pegos no flagra. Pensei se todos os que vi estacionando em vagas preferenciais sem terem direito a elas e passaram pelo meu júri mental tinham realmente percebido o delito. Agora eu é que estava no banco dos réus.
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Até que surgiu a gerente do lugar e tratou de nos absolver. Organizou a fila e alertou os recém-enraizados para que procurassem outra. Com o consentimento dos que tinham de fato direito de estar ali, revezamos. Entre as minhas resoluções de ano novo está prestar mais atenção às placas para evitar crimes semelhantes em 2016.