Há sete anos a chuva ganhou novo significado. Antes era sinônimo de calmaria. De banho na rua, bolinho frito na casa da vó, trânsito mais intenso que o habitual, meias molhadas, competição de salto sobre poças. Essas associações somaram-se a outras. Agora a chuva carrega também preocupação e alguma tristeza, variando conforme a quantidade de milímetros acumulados.
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::: Sete anos após a tragédia de 2008, Blumenau ainda convive com cenário de deslizamentos
Se ela possibilita a vida, fazendo o verde ressurgir, também revela nossas falhas veladas. A água que cai do céu faz questão de despir os maus-tratos à natureza e o avanço à base de concreto e asfalto adjetivados como modernidade. Quanto a chuva pode nos contar.
Ela mostrou quão vulneráveis estão os que encontraram nos morros íngremes o único lugar que seu dinheiro poderia comprar alguma terra para erguer sobre a família um teto. Gente à margem de políticas públicas de habitação – ainda que questionáveis – e da segurança para ter uma vida tranquila.
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Ser vizinho de um imóvel semidestruído em área nobre da cidade é conviver diariamente com uma marca daquele triste novembro de 2008, além de lidar com os incômodos que esse tipo de lugar costuma trazer. Com o que lida quem não encontra opção diferente de continuar morando em lugares tão inóspitos quanto os termos técnicos que os classificam como locais de alto risco? Dormir com a dúvida se ao amanhecer um novo novembro de 2008 terá voltado à própria casa e à vizinhança é viver num purgatório sem data para acabar. O pecado, em muitos casos, está na conta bancária. Se ela existir.
Dois ou três dias de chuva são capazes de mudar o rumo das conversas. Se antes as enchentes eram a preocupação, agora os morros que se desfazem é que são pauta. Há sensibilidade na empatia com a dor do outro, dos que perderam o que tinham. Mesmo que pouco, era tudo. Hoje diversas famílias da região rememoram seus entes que sucumbiram à lama e aos escombros. Mesmo memórias tão lacerantes parecem que não foram capazes de nos fazer avançar num rumo que afaste novas tragédias.
Ruas vazias de pedestres e carros, mas cheias de lama. Gente sob escombros. Casas e vizinhanças inteiras perdidas e condenadas. Abrigos transformados em moradia por meses e anos. As angústias pessoais daquele fim de semana – desconheço alguém que morava em Blumenau na época e não saiba recontar tudo o que viveu nos dois dias – ainda estão frescas. É coletivo o desejo de que nada disso seja revivido. Não parece ser esta nossa promessa de futuro. A chuva vai continuar a cair, sempre revelando as lições que insistimos em não aprender.