Em uma época nem tão longínqua assim, a mulher que sabia bordar era considerada apta a casar. A costura, o tricô e o crochê também eram predicados intrínsecos àquelas que almejavam dividir o teto com alguém. Na contemporaneidade, tem mudado a condição para a prática dessas atividades manuais, que passaram de obrigatórias a opcionais.
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A flexibilidade tem atraído adeptas e, para perceber, basta olhar para o lado ou, melhor ainda, para as redes sociais. É crescente o número de mulheres, principalmente as mais jovens, que bordam para si mesmas, amigos ou a partir de encomendas, ou ainda vendem os trabalhos pela internet. Neste fim de semana, acontecem dois eventos que comprovam esse comportamento: o 1º Encontro de Bordadeiras em Florianópolis e a Oficina de Bordado Contemporâneo, ambos na Ilha de Santa Catarina.
Uma das organizadoras do primeiro deles, a fotógrafa Natália Brasil, 34, conta que bordou pela primeira vez quando ainda estava na escola. Em uma disciplina que ensinava as meninas a bordar, cozinhar e costurar, que ela considera terrivelmente sexista, aprimorou os pontos também aprendidos com as avós. Mas, passado um tempo, abandonou a prática.
— Deixei de lado porque era o ponto-cruz, que é uma técnica muito regradinha. Foi quando participei de um curso de bordado livre, que dá a oportunidade de fazer algo mais amplo — explica.
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Natália apostou no bordado para superar um momento difícil pelo qual atravessava, já que enxergou na prática uma espécie de meditação — benefício terapêutico comprovado por outras entusiastas. Em vez de escrever com as linhas o enxoval de um casal, optou por ilustrações bem humoradas, sem deixar de lado algumas frases feministas (“Lugar de mulher é onde ela quiser” e “We can do it” são exemplos). Bordou tanto que a casa não teve mais espaço para abrigar os bastidores — estrutura redonda que abriga a arte manual. Assim, acabou encontrando uma forma de complementar a renda.
— Comecei a bordar loucamente e, quando vi, tinha mais de 30 peças em casa. Meu irmão sugeriu que eu começasse a vender ou presentear, porque não havia mais parede. Em uma feirinha organizada por mulheres, vendi mais do que esperava e, no Natal, tinha mais de 15 encomendas — lembra.
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A bordadeira mantém atualmente a Abacaxi Rosa Bordados que, junto com a Período Fértil, organiza o encontro para trocar ideias entre quem se aventura com linhas e agulhas. A inspiração de Natália veio de outra jovem que atua em Santa Catarina: a arquiteta Carol Grilo, que tem há onze anos a FofysFactory, além de ministrar cursos como o de bordado contemporâneo no sábado. Integrante de uma nova geração de artistas que emprega uma abordagem contemporânea a artes tradicionalmente femininas e com linguagens visuais arraigadas, ela também teve contato com o bordado ainda na infância e, só mais tarde, incorporou-o ao trabalho de forma revisitada.
— Hoje artistas plásticos e crafters [construtores] transmitem mensagens de nosso tempo através do bordado, que geralmente estávamos acostumados a ver em desenhos ingênuos — contextualiza.
Fora dos padrões
Crochê e tricô também têm dado conta da manifestação de outros artistas, que utilizam essa forma de artesanato de maneira bastante diferente daquela tradicional da vovó e, com isso, extrapolam as barreiras domésticas. É o caso da paulistana Karen Dolorez, 31, que passou recentemente pela Ilha de Santa Catarina. Em um muro da Lagoa da Conceição, deixou a obra “O mar em mim”, na qual mescla as linhas entrelaçadas por agulhas e o grafite. Essa, aliás, é a principal de suas composições.
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— Passei a perceber movimentos de fora do Brasil, como nos Estados Unidos, que estavam reutilizando o crochê e o tricô de outras maneiras. Então fiz uma parceria com um amigo que é grafiteiro, para trazer isso para cá. Hoje eu tricoto em casa do tamanho real do desenho, que também faço na hora, no local. A ideia é se expressar pessoal e politicamente, porque a gente vem numa [época] de muita tecnologia, então é preciso resgatar algumas práticas manuais para equilibrar — revela Karen.
O projeto Ecomoda, do Centro de Artes da Universidade do Estado de Santa Catarina (Ceart/Udesc), é prova da aplicação da costura, do bordado, do crochê e do tricô para fora do ambiente de casa. Mais do que isso, a coordenadora da iniciativa, a professora do curso de Moda, Neide Schulte, conceitua a ressignificação dessas atividades.
— O que a gente vê são variações dessas técnicas. Tenho uma aluna, por exemplo, que criou o bordado selvagem, em que ela desconstrói as regras e diz que não há um ponto padrão. É algo completamente criativo, que se aplica nas mais variadas áreas. O resgate vem acontecendo porque as mulheres estão descobrindo que podem fazer do jeito delas — indica.
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SERVIÇO
O quê: 1º Encontro de Bordadeiras em Florianópolis
Quando: Domingo, 2 de abril, às 14h
Onde: Parque Ecológico do Córrego Grande, em Florianópolis
Quanto: Gratuito
Como: Basta levar uma canga e os materiais para bordar junto com outras praticantes, além de um lanche para compartilhar com as bordadeiras
Mais informações: 1º Encontro de Bordadeiras em Floripa
O quê: Oficina de Bordado Contemporâneo
Quando: Sábado, 1º de abril, das 14h às 19h
Onde: Faferia DNA de Arte Contemporânea, no Centro, em Florianópolis
Quanto: R$ 190
Como: As inscrições estão esgotadas
Mais informações:
Chamada para a Oficina de Bordado Contemporâneo ¿ Abril 2017 from Carol Grilo on Vimeo.
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