De crescimento acelerado, nada poluente e muito lucrativa. A produção da alga Kappaphycus alvarezii, que teve o cultivo autorizado em Santa Catarina em 2020, avança a passos largos enquanto gera renda e emprego, além de uma nova alternativa para quem já tem a maricultura como ocupação. No Estado, o cultivo tem como principal produto de valor agregado os biofertilizantes, vendidos para o agronegócio.
Continua depois da publicidade
Clique aqui para receber as notícias do NSC Total pelo Canal do WhatsApp
As algas são cultivadas em uma espécie de “fazenda” no mar. Os produtores, ou “agicultores”, colocam cabos com 50 metros de comprimento, a uma profundidade de cerca de 40 centímetros, que formam algo semelhante a um “varal” de algas.
As cordas flutuam com uso de boias e são posicionadas e uma distância de 1,5 metro de distância entre si, no mínimo. As mudas são plantadas em um sistema chamado de “tie-tie”, ou “amarra-amarra”, em tradução livre.
São colocadas cerca de 750 mudas em um cabo de 50 metros, que crescem de 5% a 7% ao dia em boas condições, podendo chegar a 10% ao dia, dependendo de fatores como temperatura da água e salinidade.
Continua depois da publicidade
O ciclo entre plantio e colheita leva cerca de 30 dias, e um cabo com 50 metros pode chegar a 200 quilos de colheita. O processo de colheita, que antes era feito manualmente, agora já conta com a ajuda de um maquinário em estágio de protótipo, que facilita o trabalho dos produtores.
— O manezinho tem esse hábito de inventar as coisas, né? A gente foi inventando, e está dando certo. Enquanto tu colhe manualmente um cabo, aqui tu colhe dez cabos — explica Ademir Dário dos Santos, gerente de cultivo da Algas Brasil, enquanto mostra o maquinário desenvolvido no local.
Processo produtivo
A máquina consiste em uma estrutura de madeira com uma roldana em que é colocada a corda em que as algas estavam plantadas e uma parte estreita, no lado oposto, que segura a corda e faz com que as algas caiam em um saco e sejam levadas diretamente para a primeira etapa do processamento.
A Algas Brasil é uma das pioneiras no cultivo da Kappaphycus alvarezii em Santa Catarina. A empresa conta com oito funcionários diretos, além de terceirizados, e tem capacidade de processar oito toneladas do produto por dia.
Continua depois da publicidade
O gerente de cultivo da empresa destaca alguns dos desafios que são enfrentados na produção da alga para a indústria de biofertilizantes. O mecanismo que agilizou o processo de colheita fez com que essa fase deixasse de ser um dos entraves, já que hoje é feita de forma mais ágil e com maior produtividade. O processo de plantio, contudo, ainda é mais demorado, por se tratar de um método manual.
Outro desafio é lidar com as condições adversas da natureza, como chuvas intensas, que trazem um excesso de água doce para a superfície, o que impacta a salinidade da água e pode fazer com que as algas morram. Ainda, tempestades, com fortes ventos e o impacto das ondas podem fazer com que as mudas se desprendam das cordas, impactando os produtores.
Foi o caso das chuvas registradas em Santa Catarina na última semana. Para evitar que a produção de algas fosse perdida, produtores como Vinicius Honorato, que cultiva a Kappaphycus alvarezii no Ribeirão da Ilha, em Florianópolis, precisaram “afundar” o cultivo.
— Ela fica na superfície e quanto mais profundo, mais salinidade vai ter. Aí a gente joga tudo pro fundo porque lá embaixo fica entre 19, 20 [de salinidade]. Pode ver, que está tudo aqui as algas, mas está tudo no fundo — explica Vinicius ao mostrar as algas submersas.
Continua depois da publicidade
Ele é um dos 45 produtores que enviam algas para a Algas Brasil transformar em biofertilizante. Além do cultivo no Ribeirão da Ilha, há produtores também no Norte da Ilha, em Palhoça, Bombinhas, Governador Celso Ramos, Biguaçu, São Francisco do Sul e Penha.
Esse é o terceiro ano que Vinicius cultiva algas, e a produção na última temporada, em cinco meses, chegou a 44 toneladas.
— Na verdade, eu cultivo marisco. Minha família, meu tio, tem um rancho e cultiva ostras. Começou com ele, faz 23 anos. Daí eu fiz faculdade de Geografia, não terminei. Comecei a me envolver aqui com o cultivo de marisco — detalha.
Continua depois da publicidade
Foram seis anos trabalhando ao lado do tio para impulsionar o cultivo de ostras e mariscos, até a produção da Kappaphycus alvarezii ser introduzida na região. Desde então, o tio segue na maricultura, e Vinicius se dedica exclusivamente à produção de algas.
Vinicius explica que as condições de cultivo no Ribeirão da Ilha, onde sua fazenda de alga fica numa área onde a profundidade do mar é de cerca de três metros, é bastante diferente do cultivo tradicionalmente feito na Tailândia. Por lá, as condições são ideais, com profundidade de água de 1 metro e água quente o ano todo.
— O nosso aqui é de profundidade, e a gente tem muitas condições adversas, muito vento, então ela vai chegar a 700 gramas. Quase um quilo, mas quando chega a 700 gramas, ela acaba caindo — explica.
A alga das Filipinas
A Kappaphycus alvarezii é nativa das Filipinas e cultivada em outros países da Ásia, como a Tailândia. No Brasil, ela foi introduzida a partir do Rio de Janeiro, onde o mercado não cresceu de forma tão expressiva como foi em Santa Catarina, a partir de 2020.
Continua depois da publicidade
A temporada de cultivo se estende de novembro até junho do ano seguinte, podendo variar a partir da influência de questões climáticas. No fim de cada ciclo de produção, que tem cerca de 30 dias, é feito o replantio das algas. Já na colheita, os produtores calculam quanto da produção precisa ser guardado para ser replantado para uma próxima leva.
— Por exemplo, amanhã, como a gente vai colher, eu calculo ali a quantidade que eu tenho que tirar. Por exemplo, é 2 toneladas. Eu sei que cada cabo dá entre 150 e 200 kg. Então eu tenho que tirar no mínimo 11 a 12 cabos para dar essas 2 toneladas. Quando eu tiro isso, eu já tiro esses 10 cabos para venda. E eu já tenho que replantar mais 10, daí eu tiro de outro cabo aleatório e levo pra praia, pro pessoal plantar — detalha Vinicius.
Ainda que qualquer parte da alga funcione como muda, os produtores têm como foco na hora do replantio as partes com maior potencial de desenvolvimento.
— A gente sempre busca as que tão com mais pontinhas, com bastante ramo. Como ela cresce 7% ao dia, e é com o próprio peso dela, por exemplo, cada muda vai dar duas, então cada duas vai dar quatro, cada quatro vai dar oito. Ela vai se multiplicando — afirma.
Continua depois da publicidade
Há também uma variação de cores, que vai do verde ao amarelo, passando por tons mais vivos e outros mais acinzentados. A coloração depende de fatores como incidência solar, temperatura e salinidade da água.
Algas se transformam em biofertilizantes
Gabriel Ademir dos Santos, diretor de operações da empresa, explica que 90% da alga é líquido. Assim, em 1 kg de alga, 900 ml se tornam extrato e os outros 10% são compostos de carragena e fibra. Esse material também é aproveitado pela fábrica, que produz um aditivo de alga.
— Hoje a gente tem um farelo dela, é um aditivo de alga que a gente já tem conseguido fazer a secagem com o equipamento, que foi desenvolvido também, que está sendo utilizado nas indústrias de fertilizantes. Agora está começando alguns testes com ração animal, como aditivo de ração para o suíno, para aves — afirma Gabriel.
O processo de produção do biofertilizante envolve a alga chegar até a unidade no Ribeirão da Ilha, seja pelo cultivo e colheita da própria empresa ou por recebimento de outros produtores, e passar por uma primeira etapa, de limpeza na água doce. Depois, é feito o processamento, nas fases de trituração e prensagem.
Continua depois da publicidade
— O nosso extrato de alga é totalmente orgânico, ele não passa por nenhum processo químico de extração do produto. Depois dessa fase de processamento, a gente faz o envase do produto e é encaminhado para o Centro de Distribuição (CD) — detalha.
Atualmente, a empresa possui como produto principal o fertilizante orgânico simples classe A, com 3% de carbono orgânico, que é o extrato de alga líquido. Esse fertilizante é utilizado de forma foliar, através da pulverização nas culturas.
Ainda, a empresa está em processo de registro do fertilizante que utiliza a fração sólida da alga, como um fertilizante orgânico, porém com concentração de carbono orgânico maior.
Continua depois da publicidade
Veja infográfico sobre o cultivo de algas
Extrato de alga no agronegócio impulsionou criação da empresa
O nascimento da Algas Brasil veio a partir da liberação do cultivo da Kappaphycus alvarezii em Santa Catarina e do incentivo de um dos sócios, o professor Brenner Magnabosco Marra, percursor do extrato de alga no agronegócio no Brasil. Em testes iniciados entre 2008 e 2010, ele começou a utilizar o extrato de alga vindo do Rio de Janeiro para cultivos de soja, milho e trigo.
— Quando Santa Catarina foi liberada em 2020, aí sim, aí a maricultura já é cultura nossa aqui, né? Produzindo marisco, ostra, mexilhão, a gente já produz super bem, então alga seria mais um produto a ser cultivado — diz o diretor de operações da empresa, Gabriel Ademir dos Santos.
No primeiro mês, a empresa conseguiu produzir mil litros de extrato, um resultado surpreende para a estrutura da época. Atualmente, a eficiência é de 6 a 7 mil litros de extrato por dia. Em quatro anos de operações, o mercado cresceu, outros produtores se somaram ao cultivo da companhia e o cultivo da Kappaphycus alvarezii se desenvolveu no Estado.
— Foi algo em conjunto, fazer o maricultor acreditar que alga dá certo e que é rentável, e fazer o agricultor lá na ponta acreditar que o extrato de alga nacional produzido aqui do Brasil, orgânico, é tão bom quanto de fora — explica Gabriel.
Continua depois da publicidade
A partir do alinhamento nessas duas pontas, o negócio conseguiu deslanchar, crescendo de forma escalonável. No segundo ano, foram 35 toneladas de alga, além da quantidade comprada de outros produtores, e uma produção de extrato entre 60 e 70 mil litros.
Na última temporada, entre 2023 e 2024, foram 600 toneladas de alga compradas e em torno de 500 mil litros de extrato. A previsão da Algas Brasil é que 700 toneladas sejam processadas nessa temporada, que por conta do clima deve se estender até julho.
Atualmente, a empresa trabalha especificamente com as indústrias de fertilizantes, fornecendo a matéria-prima, que é o extrato de alga. As principais culturas que têm utilizado o biofertilizante são a soja, o milho, o trigo e a cana de açúcar. Há registro de 20 a 30% de rendimento com o uso do produto, segundo o diretor de operações.
— O produtor, o algicultor, produz a alga. A Algas Brasil processa essa alga, beneficia e o extrato que é beneficiado vai para uma indústria, que melhora o produto. Ela trabalha com alguns componentes específicos, deixando esse produto melhor ainda e vende para revendas ou para o produtor — detalha.
Continua depois da publicidade
Produto natural ganhou visibilidade com a guerra
O cultivo da Kappaphycus já faz com que o fertilizante se diferencie, por ser sustentável, orgânico e com preço competitivo comparado aos extratos de alga do mercado Internacional. Ele é não poluente e 100% do material é aproveitado, sem uso de componentes químicos.
Ainda que não concorra diretamente com os fertilizantes vindos do exterior, de países como a Rússia, o mercado externo tem influência na produção local. O conflito entre Rússia e Ucrânia e uma disponibilidade menor de fertilizantes para os agricultores brasileiros fez com que o governo incentivasse o cultivo de algas para biofertilizantes localmente.
O cultivo do Ribeirão da Ilha também alcança mercados internacionais. Segundo Gabriel, a Algas Brasil já tem registros no Paraguai, está em processo de registro na Argentina, Bolívia e tem alguns testes sendo feitos nos Estados Unidos.
Retomada da biodiversidade marinha
Além da geração de emprego e renda para a região, a produção de algas Kappaphycus alvarezii tem trazido outros benefícios como a melhora da biodiversidade marinha.
Continua depois da publicidade
— Espécies que estavam extintas na região, hoje com o plantio das algas, começaram a voltar, como o cavalo-marinho, tartaruga, garoupa, miraguia. A gente como pescador tá notando isso aí — alega o gerente de cultivo Ademir Dário dos Santos.
Isso se dá pela área em que a alga é cultivada ser fechada, o que evita a entrada de embarcações que fazem a pesca predatória dentro das fazendas. Assim, pelos pescadores não terem acesso ao local, há um aumento da quantidade de peixes que estavam extintos na região.
A ideia é que junto com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) possam ser feitos estudos para identificar e quantificar o que tem melhorado, a partir de pesquisas na região. Ainda, a empresa pretende começar a atuar nos próximos anos dentro do mercado de carbono.
Alguns estudos tem começado a analisar quanto de carbono as algas têm sequestrado, porém ainda há dificuldade de transformar a prática em crédito de carbono por conta das métricas, já que o mar não é um ambiente controlado.
Continua depois da publicidade
— Qual é a dificuldade hoje de transformar isso em crédito de carbono: as métricas, porque a gente não está num ambiente controlado, fica mais difícil. Uma floresta plantada naquele hectare de terra é mais fácil de controlar do que aqui no mar. Que muda a salinidade, muda a temperatura, muda tudo a todo momento. O pessoal ainda está lutando para desenvolver as métricas — afirma Gabriel.
Outros usos
Além da produção para biofertilizantes, a Kappaphycus alvarezii também pode ser produzida com outras finalidades. A China é uma grande compradora da alga de países vizinhos, já seca, para a produção da carragena ou carragenina. O produto é utilizado como emulsificante, gelificante e estabilizante em uma série de alimentos industrializados.
Há ainda a indústria de bioplástico, já mais disseminada, e a indústria têxtil, em fase iniciante no Brasil, que desenvolve linha 100% a partir da Kappaphycus.
Outra alternativa é o uso dela na gastronomia, em diversas receitas. Em uma parceria entre o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial de Santa Catarina (Senac SC) e a Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri), um e-book de receitas com a alga foi lançado em 2023.
Continua depois da publicidade
Leia também
Os botos que ajudam a pesca e se tornaram patrimônio imaterial de SC
Como a balneabilidade das praias influencia no aumento dos casos de viroses no verão