As vacinas têm se mostrado cada vez mais cruciais diante ao enfrentamento de novas e antigas doenças. Destaques no combate à pandemia de Covid-19, mais uma vez elas se mostram importantes em um momento de escalada de casos de dengue. No entanto, dúvidas e informações falsas sobre o próprio processo produtivo dos imunizantes afastam as pessoas dos postos de saúde e dificultam o atingimento das metas.

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A assessora da vice-diretoria de produção de biológicos do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), unidade da Fiocruz, Carla Wolanski, reforça que as vacinas são seguras, e passam por diferentes testes e etapas até estarem disponíveis para o público.

O Bio-Manguinhos é uma unidade da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) responsável por pesquisa, inovação, desenvolvimento tecnológico e produção de vacinas, kits para diagnóstico e biofármacos, que são voltados a atender, especialmente, às demandas de saúde pública nacional.

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Na instituição, o trabalho é feito em diferentes etapas até a conclusão do desenvolvimento de uma vacina, processo que se inicia na identificação da doença e do “alvo”, seja ele um vírus ou bactéria, que consegue driblar o sistema imune e instalar a doença.

— Então, por exemplo, bactérias como pneumococos, que são a maior causa de pneumonias. Ela possui uma cápsula de natureza polissacarídeo. O que é polissacarídeo? Ele é um carboidrato e essa estrutura é uma estrutura química, um açúcar — explica.

A pesquisadora explica que essa estrutura possui variações, que são chamadas de “sorotipos”. Elas ocorrem por conta de pequenas modificações na estrutura desse açúcar. Esse será o “antígeno” que a vacina quer que o organismo prepare anticorpos para proteger.

— Para que isso aconteça eu preciso extrair esse material e lidar com uma proteína, para que a gente tenha memória e para que as nossas células fiquem lá guardadinhas no nosso organismo. Toda vez que esse carboidrato entrar no nosso organismo e uma infecção queira se instalar, ele vai lá no banco de dados, puxa essa linhagem de células que nós temos e produz anticorpos para combater a doença — detalha Carla.

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Para extrair esse material, o microrganismo é cultivado para que exista uma grande quantidade desse polissacarídeos ou “açúcar”. Através de diversas etapas de purificação, as equipes garantem que esse material esteja o mais puro possível, para então realizar uma ligação química com uma proteína.

A proteína é o que o organismo reconhece, já que as células possuem proteínas na sua membrana, afirma Carla. Por conta disso, as proteínas são melhores reconhecidas do que os carboidratos e são chamadas de marcadores.

— Então há vários tipos de vacina e a estratégia da gente obter esse antígeno vai depender de que antígeno é, de que vírus, que bactéria, qual é o causador da doença — reforça.

Vacinas atenuadas e inativadas

As vacinas podem ser atenuadas ou inativadas. A diferença entre as duas é que em um dos casos o vírus é somente enfraquecido, e no outro ele é inativo por completo. A assessora explica que as diferentes cepas — que são como “raças” — se forem atenuadas ou inativadas não são capazes de produzir a doença nas pessoas. Contudo, a presença delas no organismo inicia uma reação semelhante ao que aconteceria se a pessoa contrair a doença.

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— Com isso a gente prepara os anticorpos. Como o vírus está fraco, os nossos anticorpos vão vencer a batalha e não vai se instalar a doença — explica a pesquisadora.

Vírus como do sarampo, febre amarela, rubéola e caxumba são vírus atenuados. Contudo, existem também as vacinas virais inativadas, já que em pessoas imunodeprimidas, por exemplo, pelo sistema imune estar enfraquecido, haveria o risco de o vírus ainda ativo “vencer a batalha”.

Nesses casos e em pessoas com HIV ou tratamento contra o câncer, a aplicação de algumas vacinas pode não ser indicada, já que mesmo com a cepa atenuada ela poderia se desenvolver.

Para que o vírus seja cultivado e a vacina seja desenvolvida, é necessário o uso de uma célula, detalha a pesquisadora da Fiocruz. É feito primeiro o cultivo da célula, e depois essa célula é infectada com o vírus. Os pesquisadores recolhem as partículas virais, material que sai da célula, para a produção da vacina. A partir disso, a vacina é preparada, com o cuidado para que o vírus seja enfraquecido.

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— A gente prepara essa cepa, prepara esse microrganismo, esse vírus, de forma que ele não seja tão virulento ou capaz de desenvolver a doença na gente — afirma.

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Etapas e regulação

A primeira etapa do desenvolvimento das vacinas é a extração do antígeno que desenvolve a doença. Depois disso, ocorre a purificação, que é seguida de diferentes testes e controles de qualidade.

Se a vacina está estéril, com concentração, pH e demais parâmetros adequados, ela segue para as etapas de formulação e envase. Em alguns casos, as vacinas precisa passar pelo processo de liofilização, que é basicamente o congelamento e retirada de água da vacina. Esse procedimento é feito para uma melhor conservação e transforma o imunizante em um pó, que depois é reconstituído e aplicado na pessoa.

Depois, as vacinas são envasadas e embaladas, distribuídas nas quantidades nos frascos, e feitos novamente os testes de controle de qualidade. Se todos estão dentro dos parâmetros necessários, a vacina é liberada para consumo.

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A vacina é então submetida para um dossiê técnico com lotes de consistência e validação, que através de dados de produção e controle de qualidade pretendem demonstrar à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) que o processo produtivo é consistente.

O órgão avalia de forma técnica todo esse material com os estudos clínicos e irá dar um parecer, favorável ou não. Há também a avaliação do Comitê Técnico Nacional de Biossegurança, que analisa se todas as medidas de contenção de descarte do material foram cumpridas para que o produto não tenha prejuízos ao meio ambiente ou aos operadores que trabalham no local.

A Anvisa e o Comitê Técnico Nacional de Biossegurança dão uma avaliação antes da submissão do registro e posteriormente, para que o produto seja recomendado para uso ou não. No caso da Fiocruz, há também uma comissão do Ministério da Saúde que avalia se o imunizante possui um valor adequado ao mercado. É dessa forma que as vacinas chegam, ou não, ao público nas secretarias de saúde.

— Há uma comissão, um escritório que faz uma avaliação se esse custo dessa vacina está adequado, com toda a recomendação da Anvisa. Ela pode ou não recomendar para o Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) que seja incluídos dentro do calendário vacinal do Ministério da Saúde — alega a assessora de Bio-Manguinhos.

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Mas e quando é uma vacina nova?

No caso de um novo produto, desenvolvido pela primeira vez, os parâmetros de produção e de controle de qualidade também precisam ser desenvolvidos, afirma Carla Wolanski. Assim, são feitos diferentes ensaios: primeiro em animais, depois em humanos.

Inicialmente, os ensaios pré-clínicos são feitos em camundongos para determinar a toxicologia da vacina, avaliando a segurança e os parâmetros de qualidade.

— Então há um trabalho intenso desde o processo com que a gente obteve esse antígeno até a formulação de dose dele. A gente testa em animais onde tem um relatório detalhado. Esse relatório precisa ser submetido a um comitê de ética em teste em animal — afirma Carla.

Com um parecer favorável nesta etapa, a próxima fase é de um estudo clínico de fase 1 e 2, onde desta vez os mesmos itens serão avaliados, porém em humanos. Inicialmente, o número de pessoas testadas é bem reduzido.

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— Faz esse teste em uma pessoa, avalia todos os resultados e depois faz em outra pessoa. O número máximo de pessoas que vão entrar nesse teste é de 10 a 15 pessoas. E aí a gente tem um cenário de como é a toxicologia dessa vacina no ser humano, mas não é de uma vez só — explica a pesquisadora.

Tendo um parecer favorável, os estudos seguem para a fase 3, em que os testes serão em um número maior de indivíduos. Nessa parte, a eficácia e efetividade da vacina será avaliada, além da segurança.

— Para que uma vacina chegue no mercado ela precisa de um tempo grande, né? Para a gente ter todos esses dados, de segurança eficácia e efetividade. Não é um trabalho simples e não é um trabalho curto — afirma.

Confira passo a passo de produção dos imunizantes

E a vacina da Covid-19?

Um dos grandes questionamentos, inclusive argumento usado por movimentos anti-vacinas para a resistência a vacina da Covid-19, foi a velocidade em que ela foi desenvolvida, já que em cerca de um ano após a descoberta do vírus ela já estava disponível ao público. A assessora traz os motivos para que ela tenha chego tão rápido nos postos de saúde.

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— A vacina da Covid foi rápida porque nós estávamos em emergência e foi usado um modelo de vacina, pelo menos aqui no Brasil, de vetor viral, que era uma vacina como uma plataforma de produção mais conhecida — destaca.

Dessa forma, entre os fatores que colaboraram para essa agilidade, estão a aceleração dos testes, uma equipe ampliada trabalhando e também o uso desse modelo de vacina como base.

Os processos de avaliação de segurança, eficácia e efetividade foram analisados, porém de forma mais concisa e com um maior número de profissionais atuando, o que garantiu agilidade frente aos casos e mortes e a necessidade urgente de combater a doença.

Pesquisas em SC

Pesquisadores catarinenses também atuam em projetos de desenvolvimento de vacinas. O professor Daniel Mansur, do Laboratório de Imunobiologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), possui um projeto na Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP), empresa pública federal vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. 

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O projeto tem como objetivo desenvolver uma vacina contra a dengue, que está em etapa de seleção de antígenos. O diferencial do imunizante, comparado a vacina já existente contra a doença, seria ter uma proteção independente de anticorpos, explica o professor.

Outros pesquisadores da UFSC já desenvolveram projetos de vacinas, como Daniel Mansur que desenvolveu um projeto de vacina contra o HIV. 

Também na UFSC, pesquisadores atuaram no desenvolvimento de uma vacina contra a Covid-19 em 2023. Através do uso de BCG recombinante, as pesquisas do imunizante poderiam resultar em uma vacina combinada entre coronavírus e tuberculose no futuro.

A pesquisa foi feita por professores do Laboratório de Imunobiologia (Limune) em parceria com outras instituições, como a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Instituto Butantan, Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade de Cambridge (Inglaterra) e Karolinska Institutet (Suécia).

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