O quadro O Doutor, de Samuel Fields, de 1891, mostra um médico contemplando o seu paciente. Mais de um século depois, o médico passou para a realidade da foto ao lado. Este aparente caos, paradoxalmente, é, na realidade, reflexo da melhoria do sistema, que passou da assistência para poucas pessoas e hoje dá acesso: tanto que o sistema está esgotado. O acesso foi garantido, mas não caminhou com o aumento da população e, mais importante ainda, com o aumento da expectativa de vida da população.

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Nossa população de idosos aumentou, e o foco epidemiológico mudou da doença infecciosa para o das doenças crônicas. Começa então a ter uma importância fundamental não só evitar as doenças infecciosas e nutricionais no sistema básico de saúde, mas também as complicações da evolução natural das doenças crônicas. E temos que brecar esse avanço com soluções simples.

Temos em Joinville um exemplo importante. A cidade investiu, anos atrás, em um programa de hipertensão arterial. O programa mudou o perfil do acidente vascular cerebral na cidade. Antes, o nosso problema com o AVC era muito mais relacionado à hipertensão; hoje, está mais relacionado à fibrilação atrial, um problema cardíaco.

Todo o sistema de saúde é complexo e adaptativo. Lidamos com problemas em níveis diferentes, e cada área do sistema tem que tomar decisões que outra área não sabe ou não conhece. E aí temos um problema: a (falta de) comunicação entre os diversos setores. A perspectiva para 2020, no mundo inteiro, é de que o sistema de saúde consiga dar informações rapidamente para a tomada de decisão ser mais eficaz. Joinville precisa entrar nessa. Precisamos ter na nossa saúde uma rede de informações eficiente. É um desafio a se vencer a curto prazo.

Outra questão é a estrutura. Estamos aquém do necessário. Por que isso?

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Crescimento populacional e limitação de investimento financeiro. Todo recurso da saúde praticamente vem dos impostos, e nossa sociedade está sobrecarregada deles. Existe um problema objetivo de financiamento. E, para resolvê-lo, não podemos simplesmente aumentar impostos. Precisamos aumentar a eficiência do sistema, otimizá-lo ao longo do tempo. Se conseguirmos otimizar o sistema, provavelmente poderemos fazer mais coisas com menos recursos.

Hoje, o desenvolvimento tecnológico e científico da saúde é muito grande. As estruturas precisam ser adaptativas. A cada cinco anos, precisamos aperfeiçoar o parque tecnológico. Ainda não temos o timing para tornar nossa estrutura mais adaptativa ao desenvolvimento dos processos técnicos e científicos da assistência da saúde.

Toda atuação de massa é impactante, e aprendemos a lidar com isso recentemente. Cada atitude de desenvolvimento técnico e científico implica um impacto ambiental e social. Hoje, há um problema na filosofia médica. Antes, ela olhava a pintura de Fields e, hoje, olha para o cenário da fotografia. Não temos ainda uma filosofia moderna de atuação, e isso acontece no mundo inteiro.

Precisamos ter, nos graus de complexidade mais baixos, profissionais de conhecimento horizontal; e nos graus de complexidade mais elevado, conhecimento mais vertical. Isto é, o sujeito que lida na base dá conselho, aciona os controles de comportamento social, de estilo de vida, pois tem a responsabilidade de mudar a forma como as pessoas vivem para que não adquiram ou piorem as doenças crônicas que venham a ter ao longo da vida. Já no nível de complexidade alto, precisamos ter gente para atuar em um problema específico, e não no indivíduo como um todo. E começam a existir aspectos éticos nesse meio. Como é que o indivíduo, em um ambiente desse, vai ser um indivíduo que vai contemplar os aspectos éticos? Ele tem que dar respostas, tomar a decisão com precisão. Nesse momento, não passa mais a enxergar o todo da vida do cidadão.

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Trabalho na saúde pública de Joinville desde 1983. Joinville foi uma das cidades pioneiras no desenvolvimento do SUS, com o que chamávamos de ações integradas de saúde, e a cidade participou da criação do SUS ativamente. Hoje, Joinville tem uma estrutura de saúde invejável. Temos a Estratégia da Saúde da Família, que tem refletido na melhoria dos resultados do tratamento de doenças crônicas, evitado doenças infecciosas, mortalidade precoce, e assim por diante. Mas Joinville cresceu, e a característica epidemiológica da população mudou, e nós não tivemos tempo de nos adaptar a isso.

O desafio é transformar o sistema de gestão público da saúde em um sistema de alta performance e de alta flexibilidade administrativa, o que hoje não existe. Nós precisamos de resultados clínicos, e os resultados organizacionais têm que levar a resultados clínicos. Os pacientes chegam ao hospital, são atendidos e se sentem mal atendidos. Porque o ambiente não é bonito, não parece limpo. Só que a essência do atendimento foi realizada. Isso dá para o sistema um certo descompasso. Nós achamos que estamos entregando o melhor, mas o paciente acha que não. Nós precisamos dar às pessoas a sensação da qualidade, a experiência da qualidade, para que possam efetivamente se sentir protegidos.

O desafio da humanização, dentro de uma instituição hospitalar, é uma das coisas mais importantes para o futuro. Como vamos encarar esse problemas acontecendo em um ser humano complexo? Este entendimento precisa existir dentro do sistema e nós precisamos objetivamente nos voltar a isso. É a experiência do cliente, e isso nós estamos devendo para a sociedade.

Hercílio Fronza Jr.: patologista clínico, médico formado pela UFSC e pós-graduado pela UFPR. Desde 1983 atua na saúde pública, quando foi diretor de Departamento de Saúde do governo Wittich Freitag. Já atuou em Florianópolis na coordenação da administração da Secretaria da Saúde do Estado e é, atualmente, o diretor do Hospital Regional Hans Dieter Schmidt.

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