Eles ainda vivem em aldeias, mas a tribo deles agora é outra. Não que tenham aberto mão das origens, mas com orgulho da terra que os trouxe ao mundo desejam se aprimorar para repassar o conhecimento às comunidades e terão mais uma causa para celebrar no Dia do Índio, neste domingo. Na semana passada, a turma de 85 indígenas das etnias Guarani, Kaingáng e Xokleng de Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Rio Grande do Sul recebeu os diplomas do curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, da Universidade Federal de Santa Catarina.

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É a primeira turma exclusiva de indígenas de uma universidade federal do Sul do País que, agora, levam os ensinamentos para as comunidades, seja por meio das escolas ou por pesquisas.

– Me senti orgulhosa. Fiquei maravilhada – descreveu Maria Cecília Barbosa aos netos e sobrinhos no dia da formatura.

Prestes a completar 55 anos no dia 1º de maio, Maria já é bisavó. Tem dois filhos e oito netos, mas desde 2003 é professora de mais de 100 crianças e adolescentes na escola indígena da aldeia Chimbangue, em Chapecó. Já formada em magistério bilingüe, decidiu encarar o vestibular específico do curso da UFSC para se aprimorar.

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– Aprendi um monte de coisas: como trabalhar, como pesquisar, como lidar com as turmas. Já tô levando tudo para meus alunos.

Oradora da turma, Ana Uglo Patté, 23 anos, do povo Xokleng, de Ibirama, ainda não é professora. Quer seguir a carreira acadêmica, fazer mestrado em Direito ou Antropologia e se tornar pesquisadora para trabalhar com a juventude da aldeia. No trabalho de conclusão de curso, discorreu sobre os impactos que a Barragem Norte, em José Boiteux, causou ao povo local. Com o curso, acha que voltou a valorizar a cultura, a língua e as crenças do povo.

Mas não foi fácil. No meio curso, dois alunos morreram. Outros tantos tiveram contratempos, como Ana, que no primeiro semestre perdeu o avô que a criou, além de outros familiares ao longo do curso.

– Por várias vezes pensei em desistir. No fim de tudo, botava na cabeça que tinha de ir em frente porque estava representando meu povo – recorda.

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Professores se esforçam para tornar o curso permanente

Apesar dos contratempos, a Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica tem uma das menores taxas de desistência entre as licenciaturas da UFSC. Dos 120 aprovados no vestibular específico, dois terços se formaram ou estão prestes a concluir.

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Segundo a professora Maria Dorothea Post Darella, paraninfo da turma e integrante da coordenação do curso, o empenho dos alunos os levou a pesquisar e fazer estágios sobre temas das comunidades para o trabalho de conclusão de curso, como curandeiros, rezadores, plantas medicinais, aprendizado das crianças e plantio. Sábios anciãos também foram ouvidos para as aulas que se dividiram entre o campus da Trindade e as comunidades:

– Muitos deles já eram professores indígenas. E, durante o curso, em nenhum momento se desligaram das aldeias. O que a gente vê é que há uma efervescência para qualificar as escolas indígenas.

A banca de vários TCCs, que também puderam ser escritos na língua materna, ocorreu nas comunidades. Mesmo com tamanho envolvimento, não há data para novas turmas. A coordenação busca com o MEC condições para tornar o curso regular.

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Em Chapecó, a Universidade Federal da Fronteira Sul analisa terras com lideranças das aldeias da Região Sul para o campus indígena. Se o MEC aprovar, terá os cursos de Agronomia, Ciências Biológicas, Enfermagem, Administração, Pedagogia e Licenciatura.

Adelino Gonçalves, de Biguaçu, quer levar conhecimento para a aldeia

Desafio da tecnologia e a influência para os filhos

Aprender a escrever no computador é uma das lições mais dolorosas que Adelino Gonçalves, 37 anos, leva do curso. Manter-se focado foi difícil até adquirir um notebook para escrever o TCC. Para o trabalho de conclusão, pesquisou sobre a produção do artesanato de madeira feito pelos indígenas do povo Guarani, etnia a que pertence a sua tribo, localizada em Biguaçu.

Adelino é casado e tem cinco filhos. trabalha na área de saneamento de uma ONG. Mas não tem certeza em como repassará o conhecimento aos moradores da comunidade.

– Não estou com pressa de entrar (para dar aulas). Quero tentar trazer mais conhecimento de fora para a aldeia e levar conhecimentos guarani para a universidade – conta.

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O esforço de quatro anos vê como recompensa para incentivar os filhos. A mais velha, hoje casada, termina o ensino médio e enxerga no pai uma inspiração.