
O ano é 2024. O local Beira-Mar Norte em Florianópolis. Os personagens: velejadores, cidadãos comuns, esportistas e outros amantes do mar que se concentravam na recém-inaugurada Marina de Florianópolis, já considerada uma referência por adotar algumas das mais modernas tecnologias do mundo em termos de soluções arquitetônicas, construtivas, tecnológicas e, principalmente, socioambientais. Dentre os vários entusiastas daquele momento histórico destacavam-se alguns símbolos daquele momento e daquela condição natural que finalmente a ilha assumia na direção do seu futuro.
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De um lado seu Adilson, um típico manezinho, pescador da Praia da Lagoinha, no norte da ilha, conhecedor da pesca da tainha, como poucos que estava ali com sua baleira atracada ao lado de iates luxuosos que vieram de todas as partes do mundo para prestigiar aquele momento. Ao lado de seu Joaquim, o dono do Iate que estava ao lado do barco do velho pescado: Mister Rupert, herdeiro e dono de uma grande companhia aérea mundial que há mais de 30 anos tinha conhecido Florianópolis e perguntado ao jovem guia que o apresentou à bucólica e belíssima praia Santo Antônio de Lisboa “por que não existia ali um complexo moderno e arquitetonicamente adequado voltado para o mar e para aproveitar aquela beleza extraordinária? ”.
Ele simplesmente não compreendia, já que conhecia diversos lugares semelhantes no mundo, especialmente na Costa Azul Francesa, que se assemelhavam muito àquele espaço e que tinham conseguido conviver com as questões ecológicas e o aproveitamento da beleza natural e do mar para gerar emprego e renda e um turismo altamente qualificado. Além, é claro, do mais simples e significativo benefício: a convivência intensa e íntima do homem com o mar, ambiente de onde todos nos originamos desde que um peixe se aventurou a sair da água e dar origem a um processo de evolução que acabou gerando o homem.
Mas voltando à Marina, ao lado de Rupert e seu Adilson, Maria Cristina, uma oceanógrafa da universidade, pesquisadora que trabalhou intensamente, juntamente com toda uma equipe técnica de arquitetos, engenheiros e urbanistas e outros profissionais para planejar o projeto “Ilhamar”, uma iniciativa que teve por objetivo mapear toda costa da belíssima Ilha de Santa Catarina, visando construir um grande projeto de REENCONTRO de Florianópolis com sua origem mais verdadeira e profunda: o mar.
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A base do projeto partiu da redefinição poética da própria definição clássica de ILHA: “um pedaço de terra cercado de água por todos os lados”.
Para aqueles que participaram do projeto, ilha é “uma porção de mar que abraço um pedaço de terra e gente por todos os lados e de todos os jeitos”. Rupert e Adilson fizeram parte daquela iniciativa. O empresário europeu foi um dos financiadores do estudo que contemplou não só a costa, mas também os principais ativos ecológicos e concentrações urbanas, organizadas ou desordenados, da Ilha, que foram todas mapeadas e depois rearticuladas no sentido de criar um projeto inédito mundial de interação absolutamente harmônica e bela da terra com mar. Rupert financiou, mas pessoas com seu Adilson participaram como especialistas, explicando para os cientistas e planejadores a realidade da relação entre o homem e o mar, entre a terra e a natureza, entre o mar e a natureza e o homem.
Foram seis meses de interação por meio de reuniões, encontros, estudos e resgates da cultura nativa, visita a projetos de referência mundial nos mais modernos polos urbanos e ambientais do mundo. Tudo isto envolvendo de forma intensa e transparente os mais diversos órgãos ambientais e da justiça, do executivo e do legislativo. Desta forma, num tempo recorde e com um alinhamento inédito entre pessoas e instituições, chegou-se a um projeto que passou a ser implementado de maneira integrada entre os parceiros, alavancando recursos públicos e privados. Uma movimentação surpreendente que mostrou a capacidade que a cidade tinha de articular suas forças internas e suas lideranças locais, integrando-as com especialistas, apoiadores, parceiros e apaixonados de outras regiões que vieram participar dessa grande missão.
O Resultado deste grande processo foi um Master Plan composto por 4 grandes sistemas “espelhados”: 1) Complexo Centro Oeste & Centro Leste; 2) Complexo Baía Norte e Baía Sul, 3) Complexo Atlântico Norte e Atlântico Sul e 4) Complexo Extremo Norte e Extremo Sul. O Projeto Centro Oeste contemplava a Beira Mar Norte, o Aterro da Baía Sul no Centro e o Aterro da Expressa Sul. O projeto da Marina na beira-mar Norte era simbólico, mas representava apenas um pedaço das grandes intervenções ao longo de toda a Avenida, desde as pontes até o mangue do Itacorubi.
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Além da conclusão do projeto de despoluição da baía norte foi consolidado todo o processo de reurbanização da orla, ajuste da largura das praias, implantação de equipamentos de lazer & conhecimento & ecologia e todo um conjunto de intervenções que transformaram os cerca de 8 km da beira-mar num dos waterfronts turísticos, ambientais e sociais mais reconhecidos e visitados do Brasil e do mundo. Ao Sul, na sequência do túnel Antonieta de Barros foi feito o mesmo, com toda uma remodelação do Aterro da Expressa Sul, que recebeu pequenos trapiches, dotados de lojas e restaurantes que passaram a receber turistas, visitantes e moradores todos os dias da semana, criando uma grande intensidade de fluxo de pessoas que foi reforçada pelo replanejamento da atividade residencial e comercial ao longo do Saco dos Limões e Costeira, com a introdução de alguns equipamentos estratégicos no próprio aterro da Baía Sul, tais como, museu de ciência e tecnologia da universidade, alguns hotéis-boutique e equipamentos sociais esportivos com alta qualidade arquitetônica, transformando a região num gigantesco parque, nos moldes do que inicialmente foi pensado para o para o aterro do Flamengo no Rio de Janeiro.
No meio, entre o Aterro da Expressa Sul e a Beira Mar Norte, o Parque o Aterro da Baía Sul, no centro da cidade, que também foi completamente remodelado. Delicadas intervenções arquitetônicas e urbanísticas permitiram que a lâmina de água do mar se aproximasse do antigo contorno próximo do Mercado Público.
O Miramar foi reconstruído e também beneficiado pelo abraço do mar e na orla. Onde se localizavam antigamente o centro convenções e o sambódromo, conviviam agora um agitado, elegante e aconchegante complexo comercial, empresarial e residencial, junto ao mar que abrigava a sede da Prefeitura, um shopping center com atividades, produtos artesanais, esportivos e culturais e todo um conjunto de restaurantes e bares charmosos que eram facilmente acessados a partir do centro da cidade por um sistema de micro-ônibus elétricos, que partia a cada 10 minutos da Praça XV, do Mercado e da rodoviária.
Tudo isto, é claro, resgatando e valorizando os conceitos, intenções, ideias e contornos projetados pelo gênio Burle Marx. Todo fluxo de veículos que adentra a ilha por meio das pontes e que sangrava, repartia e separava o mar do centro da cidade passou a ser remodelado por um corredor de árvores e um belo jardim que se desenrolava abaixo de gigantescas passarelas com mais 100 metros de largura que criavam canais e as artérias de conexão entre o centro da cidade e o mar.
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O Projeto 2, consistia em dois projetos espelhados com características absolutamente semelhantes no sistema Cacupé/Sambaqui e na região do Ribeirão da Ilha. Estas duas vilas originais de Florianópolis passaram a contar com marinas ecológicas conectadas ao sistema de logística de mobilidade elétrica que integra e permite que visitantes que chegam em embarcações e veleiros de todo mundo e possam atracar e rapidamente se alojar em pousadas charmosíssima e desfrutar de restaurantes e botecos nativos e típicos de Florianópolis, os quais, juntamente com o patrimônio arquitetônico e histórico do centro da cidade foram tombados como patrimônio universal da humanidade pela Unesco.
Tanto no Norte quanto no Sul, estes dois projetos passaram a constituir Parques Eco-turísticos-residenciais, contando com um sistema de gestão com representação dos diversos segmentos da sociedade. Continuando o conceito de projetos espelhados entre norte e sul, na face Leste, de frente para o Oceano Atlântico, surgiram foram estabelecidos os dois enormes Parques Eco-turísticos-residenciais do Sul, desde a praia de Naufragados até o Morro das Pedras, passando pela encantadora praia da Lagoinha de Leste, e do Norte, da Ponta das Aranhas em Ingleses até a Barra da Lagoa, passando pelo complexo turístico, arqueológico e ambiental o Costão do Santinho.
Em cada Parque, além do foco em preservar todo o ativo ambiental representado pela Lagoa do Peri, as florestas nativas de mata atlântica e o Parque do Rio Vermelho, dentre outros, foram implantados dois pequenos, mas relevantes núcleos turísticos, residenciais e comerciais, cada qual com não mais do que duzentos mil metros quadrados, mas o suficiente para servir de referência econômica e turística para ordenação de todo desenvolvimento econômico da região.
No meio desses dois parques gigantescos, espelhando o complexo da beira-mar no centro da cidade, se estende o complexo turístico e do mar da Lagoa da Conceição e Praia da Joaquina, que recebeu investimentos de milhõs de dólares para adequar as questões de saneamento e preservação ambiental, criando um espaço para esportes náuticos, aquáticos e de surf, com toda uma infraestrutura turística, comercial e residencial que transformou o cartão postal de Florianópolis numa referência mundial de destino turístico sustentável e organizado, e numa das regiões mais visitadas do mundo, por famílias, amantes da natureza e turistas em geral que aproveitam todos os equipamentos de entretenimento, lazer e conforto desde a praia do Campeche até a praia da Barra da Lagoa, aproveitando todas as opções que passaram a ser oferecidas por toda aquela região confinada entre as montanhas centrais da ilha, as praias e o mar aberto.
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No Sul, a Ponta de Naufragados foi convertida num santuário ecológico integrado ao complexo das belíssimas Ilha do Papagaio e das Praias do Sul da região metropolitana de Florianópolis. Finalmente, a região norte da ilha, compreendida entre a praia de Ingleses e a Praia da Daniela, foi detalhadamente planejada e beneficiada com grandes investimentos para se tornar um grande hub de integração da ilha com o impressionante complexo praias, lagunas e baias, compreendidas entre a Ilha de Santa Catarina e a região de Camboriú e Itajaí, incluindo as baias de Governador Celso Ramos, Palmas, Bombas, Bombinhas, Porto Belo e Itapema.
A grande planície de Tijucas, entre Tijucas e Canelinha, recebeu novo complexo urbano e de infraestrutura empresarial e logística, contando com aeroporto internacional de passageiros e cargas, consolidando ainda mais a vocação daquela região para o turismo e para logística industrial. Exatamente no norte da ilha, em frente às praias de Canasvieiras e Jurerê, foi construído um terminal flutuante náutico para receber grandes navios de Cruzeiros, localizado a cerca de 3 Km da orla, semelhante a uma grande ilha artificial, que recebe os navios de cruzeiros e distribui pequenas embarcações que rapidamente, em menos de 15 minutos, acessam as pequenas marinas localizadas em Jurerê, Canasvieiras, Palmas, Bombinhas, Itapema e Camboriú. O sistema foi inaugurado, também 2024, e tem sido visitado por especialistas e curiosos do mundo todo, pela flexibilidade, simplicidade e funcionalidade. Toda essa atividade permitiu viabilizar economicamente a implantação do sistema de balsas que agora liga o norte da ilha de Florianópolis com a região de Canelinha e o anel viário ampliado da BR-101 o que facilitou e melhorou muito a mobilidade da ilha, transformando o mar num grande aliado para melhorar a eficiência do transporte, não só em Florianópolis, mas em toda a orla entre a região de Palhoça e Barra Velha.
Tudo o que agora estava funcionado tão bem e parecendo tão óbvio, parecia impossível há alguns anos. O incrível de tudo isso é que o projeto foi fruto de um conjunto de reuniões que reuniu, que agregou os especialistas, moradores da cidade, investidores, patrocinadores, representantes de órgãos de controle ambientais e ONGs do mundo todo, que construíram um projeto coletivo aliando turismo, desenvolvimento econômico, logística, respeito ao ser humano e principalmente aproximação, integração e fusão da ilha com mar e as pessoas.
O Hino de Florianópolis que, além de ser um poema belíssimo, descreve e caracteriza de fato o que é e o que quer ser a cidade, serviu de lema e diretriz para todo o projeto. Mais do que nunca aquela ilha, “um pedacinho de terra perdido no mar” com seus vários personagens e lendas, passava ser “um pedacinho de terra, abraçado pelo mar. Um pedacinho de mar contornando e acariciando aquele pedacinho de terra por todos os lados e de todas as formas”. E no meio disso tudo, gente como seu Adilson, Rupert e Maria Cistina, representantes de uma população que voltou a se apaixonar por aquilo que mais caracteriza quem nasceu nesta Ilha encantada ou a escolheu para aqui viver: a fantástica e mágica interação entre terra, mar e gente.
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* As CRÔNICAS DE UM FUTURO POSSÍVEL foram concebidas pelo autor para provocar a reflexão acerca de temas que se fundamentam em fatos e dados da realidade atual para explorar novas possibilidades e alternativas de futuro que estimulem e promovam a geração de novas ideias, mudanças de comportamento, conceitos criativos, tecnologias inovadoras e visões de futuro diferenciadas e inspiradoras.
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