
Ao descobrir a poesia de materiais inusitados e aparentemente prosaicos, tais como chapas cimentícias, poliéster, fitas adesivas ou compensado de madeira, Roberta Tassinari cria quadros-objetos e estruturas de parede em relevo que evocam um mundo em permanente mutação. A experimentação das reações da cor interagindo sobre suportes diferenciados, ásperos, foscos, absorventes, translúcidos ou opacos tem sido uma constante em seu processo criativo, no qual a escolha dos materiais assume papel fundamental.
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O caráter processual mesclado a reflexos da art-minimal e as influências da arte povera são algumas das características dos trabalhos dessa artista, cuja depurada e organizada inteligência plástica apoia-se num vigoroso sentido do desenho, responsável pelo sempre presente equilíbrio que paira num clima de digna serenidade. Num sistema pictórico de relações ou correspondências cromáticas e formas, descobre a cor como energia criadora do espaço. De natureza tranquila e meditativa, esses trabalhos exploram a tensão formal resultante da consciente organização entre os espaços vazios e silenciosos e as luminosas faixas de cor translúcidas e transparentes que se intercalam com planos opacos e neutros.
Entre positivo-negativo, liberdade-controle, a articulação desses elementos plásticos cria entre seus interstícios contraimagens cuja fluidez e ritmo produzem um lirismo vibrante, quase musical. Ao extrair luz dos materiais, a superposição dessas barras transparentes de cor, aplicadas sobre papel poliéster e fitas adesivas, estruturam-se em relevos cujos desdobramentos virtuais projetam o espaço pictórico imaginário até o espaço real circundante.
Nas obras em que os suportes são as placas cimentícias ou a madeira compensada, Roberta – sempre pautada pelo mesmo processo criador – dialoga com os materiais, investiga as possibilidades expressivas e as alterações da cor aplicada com spray sobre fitas adesivas em diversos suportes. Nas pinturas sobre poliéster, os relevos de parede criados pela volumetria do papel pareciam querer avançar como setas para o espaço circundante, conforme já observamos. Já nas placas cimentícias o aspecto objetual das superfícies abauladas se impõe.
A imaginação e o caráter predominantemente processual das obras de Roberta Tassinari exigem que o observador complete o processo de observação. É como se a artista nos dissesse que os quadro-objetos não estão contidos apenas ali nos suportes, mas essencialmente nos olhos e na mente de quem os fez e os vê.
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Agende-se
O quê: 1ª Temporada de Exposições do Museu de Arte de Blumenau (MAB)
Quando: até 21 de abril
Onde: Fundação Cultural de Blumenau (Rua XV de Novembro, 161, Centro, Blumenau)Quanto: gratuito
Informações: www.robertatassinari.com
Invenção de cores

Por Fernando Lindote, curador e crítico de arte
Nas estruturas de Roberta Tassinari a cor parece inchar, dobrar e se redobrar através das situações surgidas pela junção de elementos encontrados. Ao escolher elementos comuns do contexto dos objetos utilitários, a artista pretende operar uma disfunção inicial para, a partir do esvaziamento do que conhecemos desses elementos, recuperá-los em nova chave.
A eficácia da operação se dá na medida em que esses componentes, rearmados pelas estruturas que Roberta inventa, submergem na cor. A partir daí há um esquecimento da utilidade anterior e um aparecimento, na duração da observação das obras, de outra ordem: a cor imanente que perpassa plástico, folha, borracha e se espalha pelo espaço circundante.
Talvez o que o trabalho de Roberta aspire seja a invenção de cores. Cores que estão presentes, em partes, espalhadas e fragmentadas nas coisas do mundo. Cores em estado de potência, porém ainda desarticuladas. Cores que necessitam de uma materialidade, de um corpo. E é esse corpo que Roberta parece articular e unir com a sobreposição de materiais opacos ou transparentes, moles ou rígidos, translúcidos ou dobrados, escondidos ou evidentes. Esse corpo-cor que incha, dobra e se estende no sofrimento e na alegria da existência no mundo manifestado.
*Texto referente à exposição Cor-matéria