Eduardo Paes está fritando antigos aliados. Quando pressionado a responder sobre os problemas do Rio dias antes da Olimpíada, acusa, sem meias palavras, as outras esferas de incompetência. Conhecido pelo temperamento explosivo e pela habilidade para se desdobrar e escorregar da berlinda, ao estilo do malandro gingado carioca, o prefeito do Rio aproveita o fato de que o mundo olha a cidade e concede dezenas de entrevistas para negar que o município esteja em crise financeira ou despreparado para os Jogos. Destaca legados das obras, a conclusão das estruturas esportivas e responsabiliza o Palácio da Guanabara, sede do governo estadual, pelos problemas.
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Foi assim quando disse, em entrevista à rede de TV americana CNN, que o Estado faz um “trabalho terrível” na área da segurança. Uma tentativa de criar um álibi para o caso de os turistas ficarem expostos durante a competição. Ao jornal inglês The Guardian, afirmou que a Olimpíada é uma “oportunidade perdida” para o Brasil, ao mesmo tempo em que contemporizou: “Nunca houve tanta transformação nesta cidade para as pessoas pobres”.
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O governo estadual passa por momento delicadíssimo. Foi decretado estado de calamidade para forçar o presidente interino Michel Temer a enviar socorro de R$ 2,9 bilhões, sem os quais não seriam colocados em dia salários de policiais antes dos Jogos. Não bastasse o despencar das receitas pela crise do petróleo, o governador Luiz Fernando Pezão, correligionário de Paes, se licenciou para tratar um câncer. Assumiu o vice, Francisco Dornelles, um senhor de 81 anos que enfrenta dificuldades para liderar o governo em crise.
Com declarações ríspidas, o prefeito tenta se descolar de Pezão assim como fez com o ex-governador Sérgio Cabral, o padrinho da sua ida para o PMDB — partido com tradição na gestão do Estado fluminense. Cabral foi politicamente devastado pelos protestos de 2013. Além disso, enfrenta, ao lado de Pezão, investigações na Operação Lava-Jato, o que deixa a situação política ainda mais delicada. Paes remanesceu e está tentando sobreviver ao desastre geral.
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Na recente época dourada do Rio e da economia nacional, havia uma forte aliança entre PMDB e PT. Cabral e Paes, o prefeito egresso do PSDB em 2007, eram aliados do ex-presidente Lula, então flanando em alta popularidade. Embebidos pelo clima positivo, lutaram juntos pela Olimpíada, certos de que isso elevaria o Brasil, a Cidade Maravilhosa e as suas carreiras a um novo patamar.
— Esse sonho megalomaníaco se desfez por várias razões. Economia, crise do petróleo, derrocada do governo federal, corrupção. Uma série de fatores transformou o projeto da Olimpíada no oposto do que pretendia: usar o Rio para mostrar as qualidades do Brasil. Agora, nas atuais circunstâncias, o Rio será usado para mostrar ao mundo as fragilidades do Brasil — avalia o jornalista e ex-deputado federal Fernando Gabeira.
Para Luiz Eduardo Soares, antropólogo, cientista político e um dos principais especialistas em segurança pública do país, o naufrágio passou por equívocos de análise de longo prazo. Ele avalia que, nos idos de 2009, o cenário de inclusão e de avanços sociais era tangível e permitia acalentar de novas perspectivas.
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— Aquele momento de ufanismo, euforia e grandes expectativas era real. De fato, o contexto suscitava o espírito positivo.
O que se mostrou ilusório foi a sustentação das conquistas. O que ocorreu foi um desastre econômico acompanhado do contexto internacional, que fortaleceu as tendências negativas. Estamos vivendo uma crise sem precedentes, que também é política — reflete Soares.
Mesmo fragilizada, a aliança entre PT e PMDB se manteve até recentemente. O rompimento total somente ocorreu quando o diretório peemedebista do Rio decidiu, na última hora, decidiu apoiar o impeachment de Dilma Rousseff. Até então, a porção carioca da legenda era considerada a tábua de salvação do PT.
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As instabilidades política e econômica caminham associadas. E se retroalimentam, forçando a desagregação. Gilberto Braga, professor de finanças do Ibmec-Rio, apresenta a Lava-Jato como um dos motivos do drama. Se a crise nacional derrubou a receita de ICMS e a queda do preço do petróleo aviltou a arrecadação com royalties, a maior ação policial da história do país amarrou a Petrobras, tomada por corrupção de agentes políticos e empresariais. A indústria naval foi praticamente paralisada e, com exceção do setor automobilístico no sul fluminense, o Estado não alcança resultados significativos em outros polos econômicos. Existe dependência da iniciativa petroquímica.
— O Rio é vítima da maldição do petróleo. Deixou de seguir experiências de outros países para evitar erros e começou a usar os royalties em despesas permanentes, e não em investimentos em tecnologia, ensino, saúde — avalia Miro Teixeira (Rede-RJ), referência da política carioca e decano da Câmara.
Correspondentes internacionais que reportam o Brasil olímpico para o restante do mundo se sobressaltam com os contrastes do Rio, do deslumbrante requinte de Ipanema e Leblon à miséria das favelas. E destacam o rebolado e a irritação de Paes.
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— “O Rio não é uma cidade perfeita”, me respondeu o prefeito quando fiz perguntas em entrevista em maio. A cidade perfeita não existe, mas vejo que, mesmo com os avanços da última década, continua havendo grande desigualdade. E não vejo como mudar isso com as crises política e econômica — afirma Katy Sherriff, jornalista holandesa há quatro anos no Brasil.