A disputa polarizada que permeou a eleição presidencial no último ano ganhou novos contornos com o agravamento da crise venezuelana. Atores políticos brasileiros dos mais diversos matizes ideológicos utilizam o fato para troca de acusações e imputação de culpa aos adversários pelos episódios registrados na fronteira com o Brasil.
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A direita sustenta que a situação é resultado de 14 anos de apoio dos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff aos bolivarianos Nicolás Maduro e Hugo Chávez. A esquerda acusa Jair Bolsonaro de preparar terreno para futura guarida à ambição bélica americana de materializar eventual intervenção militar no país vizinho.
— A crise na Venezuela dá elementos para revigorar o discurso de campanha usado por Bolsonaro, centrado nos ataques a Lula e à esquerda — opina o sociólogo e professor da Universidade Mackenzie (SP) Rodrigo Augusto Prando.
Ainda assim, há divisões entre aliados do governo quanto à condução do tema. Enquanto os militares do Palácio do Planalto defendem saída diplomática para a questão, há quem não descarte o uso das Forças Armadas para destituir o atual governo venezuelano. Um terceiro grupo vai além e critica o autoproclamado presidente, Juan Guaidó, recebido com deferência por Bolsonaro em Brasília na quinta-feira (28), por sua trajetória ligada à esquerda, apesar de oposicionista.
Maduro ainda conta com o apoio de setores da esquerda brasileira. No entanto, vê antigos aliados abandonarem sua defesa direta. A ida da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, à posse para um novo mandato do venezuelano, em janeiro, foi criticada até mesmo por correligionários. Expoentes do campo político já se posicionam pela necessidade de transição no comando do país vizinho para dar fim às crises econômica e social, embora a análise venha, geralmente, acompanhada de observações.
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— Ninguém quer intervenção militar dos Estados Unidos e que o controle do petróleo da Venezuela seja dominado pelos americanos. A questão (mudança de posicionamento) é que tem um problema humanitário e social sem precedentes — comenta o cientista político da PUC-RJ Ricardo Ismael.
Para analistas, a melhor saída passaria pela convocação de novas eleições diretas e a possível saída de Maduro do país. Porém, independentemente do caminho a ser trilhado pelos vizinhos, o impacto político no Brasil está consolidado e não será surpresa se o tema chegar ileso e com potencial de apaixonados embates às próximas eleições.
Manifestações
Ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que mantinha boa relação pessoal e comercial com Hugo Chávez enquanto esteve no Palácio do Planalto:
“Conversei com (Juan) Guaidó. Novas eleições livres são o caminho para o futuro democrático na Venezuela. Intervenções militares não conduzem à democracia. Pressão internacional ajuda. A luta é do povo venezuelano, só ele pode escolher seu destino político.”
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Conta oficial do ex-presidente Lula no Twitter, gerenciada por sua assessoria, responsável por postar suas opiniões e declarações:
“Não podemos permitir a submissão do Brasil aos EUA. Maduro é um problema dos venezuelanos, não dos americanos. Falam em fome mas não falam no Bloqueio, que mata crianças, homens e mulheres inocentes. #RecadodoLula.”
Presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Em janeiro, a deputada federal pelo Paraná foi criticada por comparecer à posse para o novo mandato de Nicolás Maduro:
“Dias tristes nos esperam na América Latina com essa intervenção fantasiada de ajuda na Venezuela. Sofreremos por essa posição do Brasil de se submeter aos interesses dos EUA. Não serão eles a viver os efeitos desse conflito. Alertei tempos atrás.”
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Vice-presidente do Brasil, general Hamilton Mourão, em discurso durante encontro do Grupo de Lima, nessa semana, na Colômbia. Ele tem rechaçado qualquer possibilidade de intervenção militar na Venezuela:
“Em Caracas (capital da Venezuela) instalou-se um regime de privilégios, discriminação e violência que não respeita as condições mais elementares do Estado de Direito democrático: a liberdade de expressão, eleições livres, alternância de partidos no poder, independência dos Poderes constituídos e legítima representação nacional.”
Vereador do Rio de Janeiro Carlos Bolsonaro (PSC):
“Fazer parte da libertação de um país vizinho dos braços do socialismo não tem apenas um aceno humanitário com o povo que morre de fome e é perseguido por um ditador apoiado pela esquerda brasileira. É um gesto internacional do que não que queremos para nosso país. O Brasil agradece!”
Deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP):
“Se Jair Bolsonaro não tivesse sido eleito certamente agora estaríamos vendo efusivos discursos do presidente do Brasil em defesa da democracia na Venezuela de Nicolás Maduro.”
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Jair Bolsonaro, em discurso durante a visita do autoproclamado presidente da Venezuela, Juan Guaidó. O presidente brasileiro iniciou seu discurso com um “mea culpa”, pelo apoio dos governos petistas a Hugo Chávez e Nicolás Maduro:
“Não pouparemos esforços dentro da legalidade e de nossas tradições para restabelecer a democracia na Venezuela: eleições limpas e confiáveis. Seu país (falando a Juan Guaidó) pode contar conosco para a recuperação econômica.”
Deputada estadual Luciana Genro (PSOL-RS), em janeiro, ao comentar a ida da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, à posse de Nicolás Maduro:
“Gleisi vai representar o PT na posse do Maduro. Dando uma mãozinha para aqueles que querem liquidar a esquerda. Mas só uma esquerda mofada para apoiar o Maduro a estas alturas. Há muito tempo deixou de ser um governo progressista. E o pior é que a oposição forte é burguesa e elitista.”
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Ex-presidente Dilma Rousseff, em trecho de artigo publicado no site do PT:
“O Brasil abaixa a cabeça e se submete ao interesse do governo americano em usufruir do petróleo venezuelano e aceita trazer para o nosso continente um conflito armado, contrariando todos os nossos princípios de não-intervenção e respeito à soberania das nações.”
Pensador Olavo de Carvalho, classificando Guaidó como esquerdista. O autoproclamado presidente da Venezuela foi militante de grupo vinculado à Internacional Socialista:
“O (Juan) Guaidó é obviamente um farsante. Não assume a responsabilidade que o movimento socialista teve pela instauração da ditadura sangrenta que ele agora combate.”
Deputado federal Paulo Pimenta (PT-RS), líder do PT na Câmara dos Deputados:
“A participação do Brasil em qualquer plano belicoso e perigoso articulado pelos EUA para desestabilizar o governo eleito da Venezuela é um forte indicador de pretensões intervencionistas que abalam a integração regional sul-americana e a paz no subcontinente.”
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