Nos últimos dois meses, os catarinenses enfrentaram várias intempéries. Foram enchentes históricas, tornados em série, deslizamentos e enxurradas que castigaram cidades inteiras e deixaram milhares de pessoas sem lar. A intensidade desses eventos, porém, não é puramente natural. Mais do que nunca, a crise climática mostra a sua cara em Santa Catarina.
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Mas quais são, exatamente, os efeitos da crise climática no Estado? 80% dos brasileiros já declararam que estão preocupados com as mudanças do clima, mas há ainda uma dificuldade geral de entender como essas consequências se traduzem no nosso cotidiano. Com o passar dos anos, os efeitos da crise devem ficar mais claros.
A ideia é tentar frear a destruição do planeta. Por isso, a 28ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (ou COP 28), que está acontecendo em Dubai, busca avaliar os resultados do Acordo de Paris, quando as nações se comprometeram a limitar o aumento da temperatura da Terra a 1,5º C acima dos níveis pré-industriais.
Mas o que vem ocorrendo aponta para outra direção. Segundo a professora de Oceanografia Física da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Regina Rodrigues, o mundo vem em uma trajetória de altas emissões de carbono. Conforme o cenário elaborado pelo Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), as projeções mais pessimistas apontam que entre 2041 e 2060, a temperatura da superfície em Santa Catarina deve ficar entre 2ºC e 3ºC mais alta em relação ao período pré-industrial. Apesar de parecer pouco, esse valor é muito significativo:
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— Para termos uma ideia: entre a Era de Gelo e um período sem Era de Gelo, que a gente chama de era Glacial e Interglacial, a diferença de temperatura foi de quatro graus — diz a pesquisadora, que também representa o Programa Mundial de Pesquisa Climática da Organização Mundial de Meteorologia. — Quatro graus significa você ter uma era glacial ou não ter uma era glacial.
Ilhados no calor
São vários os efeitos do aquecimento global no clima. O mais perceptível é a sensação de calor extremo — como as ondas de calor que atingiram o Sudeste e o Centro-Oeste do Brasil neste ano, quando as sensações térmicas extrapolaram os 50ºC.
Nos centros urbanos, o problema deve ser maior. As chamadas ilhas de calor ocorrem porque estruturas como edifícios e estradas absorvem e reemitem o calor do sol. Isso resulta em um aumento de 3ºC em relação a áreas naturais, como florestas e corpos d’água.
Em Santa Catarina, as cidades mais propícias a sofrer com ilhas de calor são Joinville, Itajaí e Florianópolis, conforme o Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia da Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural (Ciram/Epagri).
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— Só que lógico que as pessoas que têm mais condições vão entrar em casa e ficar em ar condicionado. As pessoas que não têm condições de ter ar condicionado e que trabalham ao ar livre, que geralmente são da construção civil, esses vão sofrer e poderão ter danos na saúde muito sérios — problematiza Regina.
Mais chuvas e ventos
Chuvas torrenciais também estão entre os efeitos do aquecimento global. Ocorrências de enchentes, inundações, deslizamentos e enxurradas devem se tornar mais comuns em todo o Estado — historicamente, a região mais castigada pelas cheias é o Vale do Itajaí.
— Quando a atmosfera está mais quente, ela carrega mais umidade. Então, uma tempestade que ocorria há 30 anos não tinha a mesma quantidade de água que tem hoje. A chuva é muito mais torrencial, porque quanto maior o contraste de temperatura de uma massa de ar frio com uma massa de ar quente, mais violento é o vento. E isso também aumentou — explica a pesquisadora da UFSC.
Assim, os ventos devem ficar mais intensos e persistentes por conta do aumento da temperatura das massas de ar. Já tivemos uma prova da fúria dos ventos: em novembro, em Santa Catarina, a Defesa Civil registrou seis tornados, a maioria no Sul e Oeste.
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— Santa Catarina está posicionada de forma que recebe tanto o frio e o ar mais seco do Sul, quanto o ar mais quente e úmido de áreas do Nordeste do Estado, mais próximas ao Atlântico — explica Marilene de Lima, meteorologista da Epagri/Ciram. — Então temos condições para formação de áreas de instabilidade.
Inundados pelo mar
A maior temperatura também influencia no aumento do nível dos oceanos. Segundo uma estimativa da Nasa, em 2050, o mar em Santa Catarina irá subir 25 centímetros. Cada centímetro corresponde, em média, a um metro de terra inundada “pra frente”; ou seja, a costa catarinense perderá 25 metros para a água.
Um mapa elaborado pelo Climate Control projeta quais as partes mais afetadas no Litoral. As regiões da lagoa Imaruí e da Baía Metropolitana da Grande Florianópolis, próximo a Tijucas e Perequê, estão entre as mais afetadas. No Norte do Estado, a Baía da Babitonga também será afetada, principalmente na região Nordeste de Joinville.
Projeção, em azul, mostra áreas inundadas de Florianópolis em 2050:
Em Florianópolis, as localidades mais afetadas são Daniela, Ribeirão da Ilha, Ponta das Canas, Praia Brava, Jurerê, Costeira do Pirajubaé, Tapera, Solidão e Naufragados.
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— A combinação de tempestades mais violentas, ventos mais violentos, que trazem ondas mais altas, com um nível médio do mar já aumentando e mais próximo da da linha de costa, isso faz com que você tenha muita erosão de praia. É o que acontece geralmente no Sul da ilha, em Armação, Morro dos Conventos, quando você tem uma diminuição da linha de praia, ou no Norte da Ilha, que aí estão fazendo engorda de praia — ilustra a pesquisadora Regina, relembrando os casos de Ingleses, Canasvieiras e Jurerê.
Sem água no Oeste
Historicamente mais afetado em períodos de seca, o Oeste catarinense deve sofrer com estiagens nos próximos anos. Um estudo do professor do Laboratório de Hidrologia da UFSC, Pedro Chaffe, mostrou que a disponibilidade de água no Hemisfério Sul já diminuiu em cerca de 20% entre 2001 e 2020.
Com pouca água, o impacto será forte na agricultura e na agropecuária, importantes vetores na economia do Estado — para se ter ideia, a estiagem que atingiu o Oeste entre 2021 e 2022 resultou em R$ 4,2 bilhões de prejuízos nas lavouras de milho, soja, feijão e maçã. Economicamente, seria difícil manter a mesma produtividade de atualmente.
— O Brasil todo, incluindo Santa Catarina, adiciona pouco valor ao produto que eles exportam. Eles (produtores) exportam carne, soja para países da Europa, principalmente, e lá eles industrializam aquilo e vendem com valor agregado muito maior. Então o que que estrategicamente Santa Catarina poderia fazer: reduzir a área plantada, plantar menos, só que adicionar valor àquele produto — sugere Regina.
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Mais eventos extremos
As gerações futuras também terão que aprender a lidar com eventos extremos. Uma prova disso foi no meio de novembro deste ano, quando, simultaneamente, o Brasil foi atingido por altos volumes de chuva, no Sul; uma onda de calor, no Sudeste e Centro-Oeste; e uma estiagem, no Norte e Nordeste.
Esses eventos são resultado de uma anomalia da atmosfera, o El Niño, que naturalmente ocorre de anos em anos. A questão é que, ultimamente, os fenômenos extremos vêm se dando com mais frequência e mais intensamente, potencializados pela crise climática.
— Nós temos tudo acontecendo ao mesmo tempo pela combinação do El Niño com as mudanças climáticas. No passado, não acontecia tudo de uma vez só, e tão intensamente — diz Regina.
— Incêndios, secas, ondas de frio, chuvas em excesso, isso tudo é reflexo do que já estamos vivenciando. Independente de acreditar ou não nas mudanças climáticas, o fato é que temos que conviver com essa tendência — aponta a meteorologista Andrea Ramos, do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet).
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Enfrentamento da crise
O enfrentamento da crise passa por vários âmbitos. A nível mundial, há uma expectativa sobre como o resultado das negociações da COP 28 irá influenciar no futuro das emissões de gases de efeito estufa e do desmatamento. O Brasil assumiu o compromisso, na COP 26, em Glasgow, de neutralizar as emissões de gases de efeito estufa em 2050.
No Sul do Estado, o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, considerado o maior complexo termoelétrico a carvão da América do Sul, já ganhou uma data limite para funcionar: 2040. A desativação de termelétricas a combustíveis fósseis, especialmente o carvão, é um processo em andamento no mundo inteiro, como parte dos esforços globais de descarbonização.
Regina Rodrigues diz que o Estado poderia investir em um plano de transição, em parceria com o setor privado, capacitando os trabalhadores das termelétricas para outras formas de produção de energia renovável, como a eólica e a fotovoltaica.
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— Tem outras fontes de energia e de desenvolvimento de tecnologia que a gente poderia estar desenvolvendo. Tecnologia que depois a gente poderia exportar e que traria muito mais benefícios e dividendos para o Estado.
O que diz o governo do Estado
Em nota enviada ao NSC Total, a Secretaria de Meio Ambiente e Economia Verde diz que Santa Catarina participa do Plano Setorial para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária, do Governo Federal, que tem o objetivo de aumentar a “eficiência e resiliência dos sistemas produtivos, a partir de uma gestão integrada da paisagem”.
A Secretaria informou também que vem desenvolvendo o Programa Ação Climática SC, com foco na adaptação à mudança do clima para o Estado. A iniciativa inclui metas e ações prioritárias para “subsidiar tomadas de decisão do governo, com o objetivo de aumentar a capacidade adaptativa do território e atividades setoriais”.
Outras iniciativas do governo estadual para prevenir os efeitos da crise climática em Santa Catarina são: o Zoneamento Ecológico Econômico (ZEE), o Plano Estadual de Gerenciamento Costeiro de Santa Catarina (GERCO-SC), o Plano Estadual de Proteção e Defesa Civil (PPDC) e o Programa ProAdapta – Apoio para Adaptação à Mudança do Clima.
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