No primeiro show da turnê que chega a Porto Alegre na próxima segunda-feira, realizado em Belo Horizonte no dia 5 de novembro, Chico Buarque fez uma homenagem que surpreendeu a plateia mineira.
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– Evoé, jovem artista. Palmas para o refrão do rapper paulista – rimou Chico, antes de cantar a versão de Cálice que o MC paulistano Criolo costuma recitar em suas apresentações.
No Cálice de Criolo, a provocação contra a ditadura e a censura, composta por Chico e Gilberto Gil em 1973, dá lugar a um retrato cru da violência urbana:
“Pai, afasta de mim a biqueira, pai/
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Afasta de mim as biate, pai/
Afasta de mim a cocaine, pai/
Pois na quebrada escorre sangue.”
A biqueira é a boca de fumo. As “biate” são as prostitutas. E Criolo, 36 anos, é, ao lado de Emicida, um dos atuais expoentes do rap nacional. O disco Nó Na Orelha, lançado este ano, contém mais bolero, samba e reggae do que raps propriamente ditos. Desde que o álbum foi disponibilizado, gratuitamente, na internet, passou a ser detectado por antenas diversas: da imprensa elogiosa, do público que tem lotado os shows (como o que Criolo fez em Porto Alegre no dia 1º de novembro, no Opinião), das redes sociais e de um sujeito que, ao contrário de Chico Buarque, sempre foi antenado nas novidades do cenário musical – Caetano Veloso.
Juntos, Criolo e Caetano cantaram no palco do VMB 2011, premiação da MTV, Não Existe Amor em SP, cartão de visitas de Nó Na Orelha. Criolo acabou sendo o grande vencedor da noite, levando para casa os prêmios de Melhor Disco, Música (Não Existe Amor em SP) e Revelação.
Carismático e sensível, beirando a fragilidade, Criolo vive até hoje na casa da mãe, com quem finalizou o Ensino Médio.Ela foi adiante e hoje é professora pós-graduada. Ele virou um rapper subversivo – no sentido de que suas letras não seguem a cartilha que pautou o gênero nos anos 90, com versos de enfrentamento como os dos grupos Racionais MC’s e Facção Central.
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A música de Criolo não deixa de falar de violência, criminalidade e marginalização, mas ao mesmo tempo em que critica, fala de amor e de flores e tenta apontar caminhos. Como a letra do rap Subirusdoistiozin (primeira faixa de Nó Na Orelha a ganhar clipe, dirigido com delicadeza pelo premiado Tom Stringhini):
“As criança daqui tão de HK/
Leva no sarau, salva essa alma aí”
– Para mim, eu sou sempre um rapper. Quando canto um reggae, um samba, é sempre como se eu cantasse rap, porque vem tudo do coração – esclarece Criolo.
Não Existe Amor em SP
Não existe amor em SP
Um labirinto mistico
Onde os grafites gritam
Não dá pra descrever
Numa linda frase
De um postal tão doce
Cuidado com doce
São Paulo é um buquê
Buquês são flores mortas
Num lindo arranjo
Arranjo lindo feito pra
você
Não existe amor em SP
Os bares estão cheios
de almas tão vazias
A ganância vibra, a vaidade
excita
Devolva minha vida e
morra afogada em seu
próprio mar de fel
Aqui ninguém vai pro
céu
Não precisa morrer pra
ver Deus
Não preciso sofrer pra
saber o que é melhor
pra você
Encontro duas nuvens
em cada escombro, em
cada esquina
Me dê um gole de vida
Não precisa morrer pra
ver Deus