O choro soluçado interrompido pela respiração ofegante reflete o sentimento de dor que carrega Natália de Oliveira, 56 anos, avó do pequeno Matheus Avi de Oliveira, morto aos seis anos por uma bala perdida, à luz do dia, no bairro Jardim Paraíso, zona Norte de Joinville. O crime aconteceu no dia 24 de junho. Um mês depois, um menino de sete anos foi ferido também por uma bala perdida, no Aventureiro.

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Entrevistas:

Secretário de Segurança Pública admite crescimento da violência

“Facções criminosas estão disputando espaços em ambientes públicos”, diz delegado regional

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A avó de Matheus – o menino morreu porque o tiro o atingiu na cabeça – mora na zona Sul, mas costumava visitar os parentes no Jardim Paraíso na companhia do neto. Aliás, tudo o que fazia era na companhia do neto. No dia da tragédia, Natália arrumou o pequeno Matheus e saiu de casa para levar um exame do posto de saúde a uma parente. Na metade da rua em que mora, ficou na dúvida se havia trancado o portão.

Matheus, muito atencioso com a avó, se prontificou a verificar se a casa estava segura. Depois disso, os dois tomaram um ônibus rumo ao bairro da zona Norte.

Quando desceram do ônibus, seguiram caminhando pela rua. Há um bar aberto na esquina e uma igreja próxima. Era por volta de 14 horas, quando os tiros os atingiram pelas costas. Dona Natália sentiu uma pancada na lombar. Foi uma bala perdida que a atingiu de raspão. Ela olhou para trás e não viu nada, foi tudo muito rápido. Quando voltou o olhar para o neto, ele já estava caído no chão.

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Os disparos saíram de armas utilizadas por homens que trocavam tiros. Dois deles ocupavam uma moto, enquanto outros atiravam de dentro de um carro. O passageiro da moto foi atingido e morreu no local.

– Ainda pergunto: “Meu Deus, por que o senhor não me fez desistir de sair de casa naquele dia?” Jamais passou pela minha cabeça, sempre fui até lá e nunca aconteceu nada. Estou sofrendo muito. Não me conformo, não consigo dormir. Está triste demais.

Matheus era mais do que um neto, era como um filho para Natália, pois era ela e o pai do menino que o criavam. O garotinho era a prioridade da casa. O primeiro prato a ser servido era sempre o dele. Agora, até cozinhar se tornou uma tarefa dolorosa.

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Dona Natália continua lutando, pois ainda precisa cuidar da mãe doente. Ela recorre à fé para suportar a dor da perda e espera que a justiça seja feita.

– Alguém tem que fazer alguma coisa. Não pode ficar assim, um inocente que não devia nada. Difícil, está muito difícil suportar.

Segundo a Polícia Militar, um dos suspeitos de participar da troca de tiros morreu num confronto com a polícia. A Divisão de Homicídios da Polícia Civil, que é responsável pela investigação, tem mais suspeitos para o crime.

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Secretário admite alta nas estatísticas

As duas situações em que crianças foram vítimas de bala perdida reacenderam a discussão sobre a violência em Joinville. Levantamento feito por “AN” com base nos dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP) do Estado indicam aumento de crimes violentos como homicídio e roubo (popularmente conhecido por assalto). Para o secretário de Segurança Pública, César Augusto Grubba, o fato é de conhecimento do setor de inteligência. Na avaliação de Grubba, as polícias precisam investir esforços contra o tráfico de drogas e as facções criminosas.

– No primeiro semestre deste ano, há um viés de alta nas estatísticas, pois já foi ultrapassada a linha média da série histórica do período. As polícias locais precisam avaliar esses indicadores e agir de forma pontual e direcionada para os vetores que instigam essa incidência.

Levando em conta apenas os três primeiros meses do ano, o número de homicídios cresceu 193% e as mortes no trânsito subiram 100% nos últimos dois anos. Os roubos no comércio, a pedestres e veículos cresceram 103%, 75,% e 29%, respectivamente, no mesmo período. Apenas o roubo a residência diminuiu: 16%. O levantamento leva em conta apenas o trimestre porque os dados do semestre ainda não foram divulgados pela SSP.

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Considerando a contagem de homicídios feita anualmente pela reportagem de “AN”, é possível elevar a comparação desse tipo de crime no âmbito do semestre. Nos primeiros seis meses de 2015, Joinville registrou 24 mais assassinatos do que no mesmo período de 2013. Isso significa um incremento de 72,7% dos casos de assassinatos em dois anos.

Para o delegado regional, Dirceu Silveira Júnior, o ponto de atenção está nos crimes contra a vida. Quando se trata de outros crimes, o delegado diz que é preciso levar em conta os fatores ambientais.

– Os números não representam muitas vezes a realidade. Tem que avaliar a questão sazonal, o aumento da população, a situação de crise financeira e as modificação de ambientes. O ingrediente novo é a questão das facções criminosas que estão disputando espaços em ambientes públicos – avalia.

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Com relação a 2013, de acordo com os dados da SSP, Joinville também registrou crescimento em outros tipos de crime em 2014 (veja quadro).

Sem reforço no efetivo, saída é força-tarefa

Como não há precisão de incremento no efetivo policial para este ano, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) estadual tem investido em ações pontuais. A investigação dos crimes de homicídios recebeu apoio de 11 policiais civis de Florianópolis no último mês.

Operações de ordem organizadas pela Polícia Militar com apoio de guarnições de outros municípios também foram realizadas nas últimas semanas.

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– É preciso fechar o foco sobre áreas especialmente críticas, como bairros nos quais as ocorrências violentas são mais recorrentes. No campo da polícia ostensiva, é preciso priorizar e reforçar o patrulhamento preventivo e repressivo nessas áreas – determina o secretário César Augusto Grubba.

Na avaliação do delegado regional, Dirceu Silveira Júnior, as forças-tarefas devem ser contínuas, porém outras ações precisam ser levadas em consideração, como a instalação de delegacias especializadas.

– Se tivermos essa continuidade (de operações), obviamente que vamos ter em contrapartida uma diminuição (dos crimes). Também precisamos da instalação de uma delegacia de homicídios especializada e uma delegacia que trate das questões dos crimes patrimoniais, mais especificamente dos crimes de roubo – ressalta.

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Equipe na contramão da violência

– A Polícia Civil está envelhecendo e, consequentemente, a situação tende a piorar, pois não há perspectivas a curto prazo – avalia o representante regional do Sindicato dos Policiais Civis de Santa Catarina, Cláudio Medeiros. O que ele quis dizer com essa afirmação é que os policiais estão se aposentando e não há perspectiva de substituição dessas pessoas que estão desfalcando o quadro de funcionários.

Um levantamento feito pela reportagem de “AN”, com base em dados do sindicato no início do ano passado, revelou que o efetivo de Joinville era o mesmo de 18 anos atrás – 175 policiais. Após a publicação da reportagem, o então delegado-geral, Aldo Pinheiro D’Ávila anunciou que Joinville receberia um incremento de 26 policiais até o final daquele ano, caso a formação dos novos concursados ocorresse no prazo estimado.

Pouco mais de um ano depois, em vez de receber o reforço, a polícia responsável pela investigação dos crimes encolheu. Conforme o sindicato, a Polícia Civil de Joinville conta hoje com 144 policiais.

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A promessa do então delegado-geral ainda não foi cumprida porque sequer os concursados foram chamados. Em nota oficial divulgada em junho, a Secretaria de Segurança Pública informou que está em tratativas com a Secretaria da Fazenda para nomear os policiais aprovados nos concursos de 2010 e 2014.

A intenção do governo é de nomear 768 policiais civis, entre delegados, agentes, escrivães e psicólogos, para atender a todo o Estado. Como a previsão é de que a nomeação ocorra neste semestre, o curso de formação de quatro meses deve iniciar apenas no ano que vem.

Em avaliação recente da Polícia Militar, também havia desfalque de PMs em Joinville. O efetivo de 771 policiais militares ganhou um reforço de mais 27 no semestre passado. Mas o ideal seria receber mais 120.

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Contraponto

Polícia Militar

A reportagem de “A Notícia” procurou ouvir tanto o comando regional quanto o comando-geral da Polícia Militar, mas não obteve resposta. O tenente-coronel Dirceu Neundorf, que é subcomandante da 5ª Região da Polícia Militar, preferiu não se manifestar sobre os números da Secretaria de Segurança Pública. A assessoria de imprensa do comando geral não respondeu ao pedido de entrevista com o coronel Paulo Henrique Hemm.