Embora tenha nascido em São Paulo e vivesse em Curitiba, Leonardo Aguiar Morelli, 53 anos, nunca desviou os olhos de Santa Catarina. Faz mais de 20 anos que o Estado catarinense entrou na rota de investigações do homem que dedicava a vida a denunciar crimes ambientais cometidos por grandes empresas e conglomerados brasileiros.

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Morelli foi encontrado morto dentro de um quarto de hotel, no centro de Florianópolis, na tarde da última segunda-feira, 16. Estava na cidade para investigar mais a fundo as denúncias que vinha fazendo contra duas empresas de Joinville: a Tupy e a Schulz, duas grandes fundições instaladas em Joinville. Também estava inconformado com a resolução do Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema), que, em 2008, passou a permitir o reúso de areias de fundições na produção de peças de concreto, saneamento básico e pavimentação – ele, inclusive, estava elaborando uma estratégia para reverter a decisão.

Na Capital há dois dias (desde sábado passado), Morelli partiria para Joinville naquela segunda-feira para fazer contatos e encontrar-se com os advogados que o representavam no processo judicial que a Tupy havia instaurado contra ele.

Apontado como líder do Black Bloc, ele nunca escondeu sua posição anarquista, nem seu envolvimento com o grupo que virou notícia pelo comportamento violento na época dos protestos de junho. Era reservado, porém, em relação a sua atuação no movimento.

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– Nos últimos meses, os Black Blocs viraram prioridade na vida dele. Estava muito envolvido com isso, mas nunca deixou de lado suas investigações. Não sei dizer se ele era um líder do movimento, mas estava vivendo disso – explica o joinvilense Altamir Andrade, seu amigo pessoal há mais de 20 anos.

Conhecido jornalista ambiental de Joinville, Altamir conheceu Morelli por meio da produção de reportagens ambientais, gosto que tinham em comum. No fim do ano passado, os dois publicaram juntos o livro O Gigante Acuado, que tornava pública toda a denúncia das areias contaminadas e cancerígenas produzidas pela Tupy e Schulz. Foi a Altamir que Morelli confiou, em setembro, a carta que escreveu de próprio punho reforçando as denúncias. Ele havia pedido sigilo enquanto estivesse vivo, mas o documento veio à tona noite de quarta-feira, dois dias após sua morte.

Ativista há mais de 20 anos, Morelli já havia denunciado crimes envolvendo empresas como a Monsanto e a ThyssenKrupp, por exemplo. Por isso, dizia-se perseguido e ameaçado e havia optado por uma vida isolada, sempre escondido de todos. Cuidadoso, Morelli tomava cuidado para sempre trocar os números do telefone.

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Há alguns anos, outra preocupação passou a tomar conta de sua vida, além das denúncias. Vítima de um câncer no cérebro, ele se entregou a tratamentos médicos e alternativos, chegando até a passar alguns dias em uma aldeia indígena no Mato Grosso. A doença, porém, foi regredindo, deixou de incomodar e Morelli voltou a enfrentar uma vida estável.

Não conseguiu fugir, porém, do mais antiga das contaminações. Segundo a família, Morelli teria sido morto por uma picada do mosquito Barbeiro, transmissor da doença de Chagas. Seu corpo foi cremado na terça-feira.

– O Brasil perde uma figura que nunca teve medo de enfrentar grandes empresários e grandes conglomerados. Era um homem odiado, mas um ativista que nunca se calou diante de crimes ambientais e sociais. O Brasil precisava disso – disse.

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