Anthony O. Castellanos desapareceu do bairro assolado por gangues na zona leste da cidade mais perigosa de Honduras; então o irmão caçula, Kenneth, montou em sua bicicleta e saiu para procurá-lo.

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Eles foram encontrados num intervalo de dias, ambos mortos. Anthony, de 13 anos, e um amigo foram baleados na cabeça; Kenneth, sete anos, fora torturado e espancado com paus e pedras. Os três estavam entre as sete crianças assassinadas no bairro La Pradera, em San Pedro Sula, somente em abril, num surto de violência entre gangues que está ceifando vítimas cada vez mais jovens.

As mortes são o fator central a motivar a onda recente de imigração de crianças centro-americanas para os Estados Unidos, que resultou num número sem precedentes de menores desacompanhados pela fronteira texana. Muitas crianças e pais afirmam que a pressa dos novos imigrantes provém da crença de que a polícia imigratória norte-americana dá tratamento preferencial a menores, mas, além disso, estudos das estatísticas da Patrulha da Fronteira dos EUA mostram uma ligação de peso entre cidades como San Pedro Sula com índices elevados de homicídio e bandos de jovens partindo em direção aos Estados Unidos.

– A primeira coisa em que pensamos é enviar nossos filhos aos EUA. A ideia é ir embora – disse uma mãe de duas crianças em La Pradera, com medo de revelar o nome por temer represálias das gangues.

A cada dia as crianças hondurenhas estão mais nas linhas de frente da violência de gangues. Em junho, 32 foram assassinadas em Honduras, levando o número de menores de idade mortos desde janeiro do ano passado a 409, segundo dados compilados pela Covenant House, abrigo para jovens em Tegucigalpa, a capital da nação.

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Enquanto o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, pede para o Congresso liberar US$ 3,7 bilhões para dar conta da emergência no setor da imigração, as causas profundas levando crianças a fazer a viagem ao norte se tornam mais claras. Com duas grandes gangues de jovens e bandos do crime organizado operando impunemente na América Central, analistas dizem que as autoridades da imigração terão dificuldades em manter as crianças em casa se os motivos fundamentais da violência não forem atacados.

Em 2012, o número de vítimas de homicídio com idades entre dez e 14 anos chegou a 81, contra 40 em 2008, de acordo com o Observatório da Violência da Universidade Autônoma Nacional de Honduras. No ano passado, 1.013 pessoas com menos de 23 anos foram assassinadas num país com oito milhões de habitantes.

Embora os homicídios tenham caído abruptamente em 2012 depois de uma trégua de gangues no bairro El Salvador, neste ano as mortes de menores de 17 anos cresceram 77% contra igual período do ano passado, segundo dados da polícia.

Em nenhum outro lugar o fluxo de partidas é mais veloz do que em San Pedro Sula, cidade no noroeste de Honduras que tem a taxa de homicídio mais alta do mundo, de acordo com dados da Organização das Nações Unidas.

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Entre janeiro e maio deste ano, mais de 2.200 crianças da cidade chegaram aos Estados Unidos, segundo estatísticas do Departamento de Segurança Nacional, um número muito maior do que qualquer outra cidade na América Central.

Mais da metade das principais 50 cidades centro-americanas de onde as crianças partem para os EUA fica em Honduras.

Praticamente nenhuma delas vem da Nicarágua, país fronteiriço com pobreza desconcertante, mas sem cultura de gangue generalizada nem taxa de homicídio alarmante.

– Todos foram embora. Como é possível um país inteiro ser colocado de joelhos? – disse durante entrevista em maio Alan Castellanos, 27 anos, tio de Anthony e Kenneth.

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Ele disse que as gangues agiam totalmente impunes.

– Mataram todas essas crianças e ninguém fez nada a respeito. Quando os promotores quiseram discutir o caso, pediram para irmos ao seu escritório porque tinham medo de vir aqui. Se eles tinham medo, que dirá nós.

De acordo com o Departamento de Segurança Nacional dos Estados Unidos, os fatores que fazem as crianças migrar podem ser variados.

Crianças guatemaltecas que chegam aos EUA costumam vir mais de zonas rurais, sugerindo que em grande medida a motivação é econômica. Os menores de El Salvador e Honduras geralmente vêm de regiões extremamente violentas “onde provavelmente consideram preferível o risco de viajar sozinhas para os Estados Unidos a permanecer em casa”, assegura a análise.

– Basicamente, essas pessoas vêm dos lugares com as taxas de homicídio mais elevadas – disse Manuel Orozco, pesquisador do InterAmerican Dialogue, grupo de pesquisa de Washington, D.C.

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– Os pais olham como certa a entrada nas gangues. Assim que seu filho é forçado a entrar, as chances de ser morto ou preso são bastante altas. Por que esperar até isso acontecer?

Para ele, uma confluência de fatores, incluindo valores reduzidos cobrados por traficantes de famílias, ajudou a criar essa explosão.

As crianças são mortas por se recusarem a entrar para as gangues, por vingança contra os pais ou porque são pegas em disputas entre bandos rivais. Diversos ativistas dos direitos humanos daqui sugerem que elas também são assassinadas por policiais dispostos a limpar as ruas recorrendo a quaisquer métodos.

– É um problema social sério. Qualquer criança nascida neste bairro vai se envolver com uma gangue. Nossa ideia é reduzir o crime todo dia. Precisamos de uma política estatal para motivar as crianças desde pequenas a irem à escola, disse Elvin Flores, inspetor de polícia encarregado pelo distrito de La Pradera.

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Entretanto, as gangues, que roubam, vendem drogas localmente, sequestram e extorquem dinheiro de empresas, costumam recrutar membros novos nas escolas.

Em algumas cidades, quadras inteiras estão vazias porque a extorsão das gangues expulsou os moradores. Muitos tiveram de se mudar para o interior num padrão de deslocamento que especialistas comparam ao da guerra civil da Colômbia.

O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados informou que entre 2008 e 2013, os pedidos de asilo solicitados no México, Panamá, Nicarágua, Costa Rica e Belize aumentaram sete vezes.

A maioria era de pessoas da Guatemala, El Salvador e Honduras, os três países com o maior número de imigrantes chegando agora à fronteira dos Estados Unidos.

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Organizações de defesa dos refugiados pediram para o Departamento de Estado norte-americano tratar as crianças que chegam à fronteira da nação como refugiados, propondo um sistema de processamento no qual os pedidos de asilo poderiam ser revisados na América Central e os aceitos poderiam mudar com segurança para os EUA ou países dispostos a aceitá-los, como aconteceu no caso do Haiti ou Iraque. Eles ainda não receberam uma resposta, afirmou a Conferência dos Bispos Católicos dos EUA.

Durante visita noturna recente ao necrotério de San Pedro Sula, mais de 60 cadáveres, todos de vítimas da violência, foram vistos jogados numa pilha desorganizada, embalados em sacos plásticos marrons. Enquanto tiravam balas de um menino de 15 anos alvejado 15 vezes, os técnicos discutiam como era comum receber corpos de crianças com menos de dez anos e, às vezes, até de dois anos.

– Primeiro víamos muitas crianças sendo mortas porque quando a gangue vinha atrás dos pais delas, elas estavam no carro ou junto deles. Agora vemos crianças matando crianças. Elas matam com armas, facas e até mesmo granadas – afirmou o Dr. Darwin Armas Cruz, médico legista que trabalha à noite.

Armas disse que sua família também pensava em imigrar.