A CPI dos respiradores colocou frente a frente os dois ex-secretários do governo de SC, Douglas Borba e Helton Zeferino, e a servidora Márcia Geremias Pauli. Os três são citados no caso da compra dos 200 ventiladores pulmonares junto à empresa Veigamed, por R$ 33 milhões pagos de forma antecipada.

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Os deputados questionaram os três depoentes sobre temas como quem escolheu a empresa Veigamed como fornecedora, quem autorizou o pagamento antecipado à empresa e qual a participação do ex-secretário da Casa Civil, Douglas Borba, e a relação dele com outros investigados no caso, ligados à Veigamed.

Borba, que foi preso preventivamente no sábado na Operação O2, foi levado até a Alesc em uma viatura da Diretoria Estadual de Investigação Criminal (Deic).

As perguntas dos deputados buscaram esclarecer divergências entre os depoimentos das três testemunhas, que falaram pela primeira vez à CPI na semana passada.

Confira os principais pontos da acareação:

Pagamento antecipado

Servidora e ex-secretários ficaram frente a frente por mais de quatro horas na Alesc
Servidora e ex-secretários ficaram frente a frente por mais de quatro horas na Alesc (Foto: Rodolfo Espínola, Agência AL)

A servidora Márcia Geremias Pauli voltou a afirmar que despesas acima de R$ 5 milhões eram de autonomia do ordenador primário da Secretaria de Saúde, ou seja o secretário Helton Zeferino. Disse que a proposta da Veigamed já previa o pagamento antecipado, e que secretário anunciou em coletiva que o Estado receberia respiradores em prazo curto.

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– A execução, apertar o botão, é Cofes e sua gerência. A autorização, só pode ser do secretário Helton, não pode ser de mais ninguém – afirmou.

Na parte final da acareação, a secretária voltou a afirmar que Zeferino sabia desde o início que a compra envolveria pagamento antecipado. Disse também que o pagamento teria se baseado em uma comunicação interna incluída sem seu conhecimento no sistema de compras.

O ex-secretário Helton Zeferino citou outras compras, abaixo de R$ 5 milhões, e que teriam mensagens da servidora Márcia permitindo o pagamento antes da entrega dos produtos. O ex-secretário disse que não havia menção a pagamento antecipado no parecer jurídico, ordem de fornecimento ou dispensa de licitação – os documentos que passaram pelo gabinete do secretário sobre a compra da Veigamed. Ele negou qualquer autorização para pagamento antecipado e alegou que o setor financeiro fez o pagamento antecipado porque Márcia teria certificado a nota fiscal, como se o produto tivesse sido recebido pelo Estado – quando na verdade, não foi.

– Esse é o xis da questão: por que duas notas foram certificadas em 1º de abril, às 8h18min, de produtos que não chegaram, e foram encaminhadas. Obviamente, depois que eu certifico elas seguem o rito normal de pagamento – defendeu o secretário.

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O ex-secretário de Casa Civil, Douglas Borba, afirmou apenas que é responsável pelas compras feitas pela Casa Civil no período em que esteve no governo, mas que os contratos da Secretaria de Saúde seriam atribuição do titular da pasta.

Indicação de fornecedor pelo ex-secretário da Casa Civil

Ex-secretário Douglas Borba chegou à Alesc por volta das 16h40min, em viatura da Deic
Ex-secretário Douglas Borba chegou à Alesc por volta das 16h40min, em viatura da Deic (Foto: Diorgenes Pandini, Diário Catarinense)

O ex-secretário da Casa Civil, Douglas Borba, disse que repassou propostas que recebia pelo aplicativo Whatsapp à servidora Márcia Geremias Pauli, depois que ela foi indicada pelo secretário Helton Zeferino como a pessoa responsável para receber ofertas de fornecedores na Secretaria de Saúde. No entanto, Borba disse ter alertado Márcia em mensagem de celular de que não estava filtrando os contatos que recebia. Defendeu que não trocou mensagens na semana em que o negócio com a Veigamed foi fechado.

– A partir do momento, eu saio de cena. Tanto que não converso sobre nada com a servidora Márcia do dia 25 de março até 1º de abril. A semana que foi a da aquisição desses 200 respiradores, nós não conversamos. Não trocamos nenhuma mensagem, simplesmente não nos falamos – afirmou.

Borba admitiu ter relação pessoal com Leandro, mas negou qualquer relação de negócios.

– Tenho relação pessoal com o Leandro, mas nunca negocial. Ele era mais um dos fornecedores que se apresentou. Fiz o encaminhamento para onde o gestor da crise encaminhou que fosse feito – afirmou.

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Márcia Geremias Pauli reafirmou que Borba foi quem indicou Leandro para ajudar na possível compra e disse que a indicação de Borba tinha peso no governo. Ela disse que recebeu duas chamadas por voz de Borba e que, em um deles, o então titular da Casa Civil teria dito que a servidora teria “excesso de preciosismo” e afirmado que: “vocês não tem que se preocupar, o governo jamais lhe desampararia”. Borba disse que as afirmações seriam “inverdades” e que na ligação com Márcia, apenas sugeriu a criação de um grupo de controle para ajudar nas compras emergenciais.

Sobre o tema, o ex-secretário Helton Zeferino disse que essas comunicações ocorreram entre Márcia e Borba e que a única participação foi repassar o contato de Márcia, após pedido de Borba.

Comunicação do problema ao governador e outros órgãos

Ex-secretários e servidora participaram de acareação nesta terça-feira
Ex-secretários e servidora participaram de acareação nesta terça-feira (Foto: Rodolfo Espínola, Agência AL)

O ex-secretário da Casa Civil, Douglas Borba, disse que ele e o governador Carlos Moisés ficaram sabendo do problema envolvendo a compra com a Veigamed somente no dia 22 de abril, em uma reunião convocada pelo ex-secretário da Saúde Helton Zeferino. Segundo Borba, na ocasião Helton teria dito:

– Vocês querem problema? Temos um problemão para resolver. O Estado pagou R$ 33 milhões e não recebeu os respiradores. Até aqui ninguém sabia. Mas a partir de agora um repórter do Intercept (portal The Intercept Brasil, que revelou o caso em reportagem no fim de abril) fez contato com a Secretaria de Saúde e isso vai se tornar público. O que vamos fazer? – teria questionado Helton na reunião, segundo dito por Borba.

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O ex-secretário de Saúde, Helton Zeferino, disse que na verdade comunicou o governador Carlos Moisés sobre o problema no dia 15 de abril, após uma das lives que os dois faziam para atualizar a situação do novo coronavírus em Santa Catarina. Helton disse ainda que no dia 7 de abriu pediu a Márcia que ingressasse com notificação de devolução à recurso para a empresa, o que teria ocorrido dia 8. Relatou ainda que no mesmo dia 15 informou a PGE e que duas sindicâncias foram abertas nos dias 22 e 23 – antes, portanto da reportagem do The Intercept Brasil, divulgada no dia 28.

A servidora Márcia Geremias Pauli afirmou que no dia 2 de abril Helton teria dito a ela que comunicou o caso a órgãos como Procuradoria-Geral do Estado (PGE), Gaeco e Deic, mas que ao prestar depoimento soube que o Gaeco só tomou conhecimento da compra no dia 28, após a reportagem do The Intercept Brasil.

– O que se fez entre 2 de abril e 24 de abril? Qual foi a estratégia traçada? Pagamento na conta da Veigamed só entrou em 3 de abril – afirmou.

Suposta fraude com nota fiscal certificada

O ex-secretário Helton Zeferino defendeu em vários momentos da acareação a tese de que o pagamento antecipado dos R$ 33 milhões só ocorreu porque as notas fiscais apresentadas pela Veigamed foram certificadas, como se os produtos tivessem sido recebidos. A certificação foi feita pela servidora Márcia Geremias Pauli.

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– Isso só aconteceu porque tivemos aqui uma fraude. Alguém assinou uma nota de algo que não chegou. E não foram uma, foram duas. Nesse processo todo, temos que entender isso aqui. Por que eu (referência à servidora Márcia), que não tinha competência para tal, o fiz. Por que eu, que não tenho competência para tal, certifiquei, encaminhei a nota e ainda fui buscar no meu financeiro: ó, essa nota tem que ser paga – afirmou.

A servidora Márcia Geremias Pauli alega que a assinatura da nota ocorreu no Sistema de Gestão e Processos dos Estado (SGPE), enquanto o pagamento é feito por outro sistema, o da Secretaria de Estado da Fazenda (Sigef). A servidora também disse que “gostaria da materialidade de que nota assinada é autorização para pagamento”.

Ela também disse que o processo foi orientado pelas gerências de orçamento e financeira da coordenadoria do Fundo Estadual da Saúde, vinculada diretamente ao gabinete do secretário Helton. Também acusou Helton de alterar o fluxo normal de processos de compra durante o início da pandemia de covid-19.

– O modus operandi de gestão na crise do secretário (referência a Helton) era invertido. Ele primeiro fechava a proposta, depois nos apresentava e seguia o rito. Exemplo: Intelbras. Fora esse, tenho outros, que talvez não esteja aqui, por orientação dos meus advogados – apontou.

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Sobre o caso, o ex-secretário da Casa Civil, Douglas Borba, disse apenas que as acusações entre o ex-titular da saúde e a servidora mostrariam que ele não teve participação na compra da Veigamed.

Eventual pressão do ex-secretário Douglas Borba

Acareação colocou frente a frente três das principais testemunhas do caso da compra dos respiradores
Acareação colocou frente a frente três das principais testemunhas do caso da compra dos respiradores (Foto: Rodolfo Espínola, Agência AL)

Os deputados também perguntaram sobre uma eventual pressão exercida pelo ex-secretário da Casa Civil, Douglas Borba, para o fechamento da compra dos respiradores com a Veigamed. Borba disse que não exerceu pressão na compra da Veigamed. Disse que somente na compra de EPIs, que acabou não sendo concluída pelo Estado, ele fez contato mais incisivo com o controlador-geral do Estado, Luis Felipe Ferreira, para pedir agilidade na avaliação se a compra poderia ou não ser levada adiante.

– Talvez se esse chamamento tivesse sido feito na compra dos respiradores, talvez não estivéssemos onde estamos hoje, e eu não estaria onde vocês sabem que me encontro atualmente – afirmou Borba.

Borba negou conhecer o empresário Fabio Guasti e disse que o que Márcia chama de pressão era apenas um pedido para agilidade em compras, como a de testes rápidos contra covid-19.

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O ex-secretário da Saúde, Helton Zeferino, citou quatro processos de compra, entre eles um que envolvia o pagamento de serviços do Samu, hospital de campanha e respiradores. Segundo ele, todos tiveram participação direta de Borba ou do advogado Leandro Barros, indicado por Borba como possível facilitador para a compra de respiradores.

A servidora Márcia Geremias Pauli disse que começou a falar com o secretário Borba no dia 22 de março, disse que ele apresentou um prospecto de respirador igual ao enviado por Fabio Guasti e voltou a dizer que teria havido pressão de Borba nas compras.

– Nossas conversas sempre foram ao telefone com tom de cobrança. “E aí, deu certo?” Falamos de EPI, respiradores, testes rápidos. Está registrado lá (na investigação), vários assuntos. As conversas eram sempre muito inquisidoras. Deu certo? Não deu? Já falei com Moisés. Vocês têm excesso de preciosismo”. Mantenho o que foi relatado na íntegra em meus depoimentos – afirmou.

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