Em um típico Dia de Finados, se pensa nos entes queridos que já foram embora, nas flores que devem embelezar os túmulos e até na chuva que na maioria dos dias 2 de novembro sempre cai. Mas a figura dos coveiros, importante para a organização dos cemitérios e companheira dos mortos nos outros 364 dias do ano, muitas vezes passa despercebida.
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Quem vê os homenzinhos vestidos de azul caminhando entre um túmulo e outro não dá bola, mas são estes trabalhadores, muitas vezes constrangidos por causa da natureza da atividade, os responsáveis por descer o caixão selando a última visão da família com o morto.
Atualmente, são 11 homens trabalhando nos seis cemitérios públicos da cidade. Um momento delicado, de tristeza e desespero é assistido por um profissional que de longe não é um dos mais respeitado do mercado. Não é reconhecido e não está na lista dos mais lembrados pelos jovens que buscam um emprego.
Mas foi a primeira opção de Valentim Manoel Pereira quando tinha 14 anos, em 1980, inspirado pelo pai, que também se aposentou como coveiro. Hoje ele está com 46 e trabalhando no Nossa Senhora de Fátima, no Itaum, depois de iniciar a carreira no Cemitério Municipal. Ele assistiu a mudança na profissão.
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Há 30 anos, longe das máquinas, era na pá e com a força dos braços que se fazia uma tumba. Sem concreto, os caixões desciam com cordas e ficam diretamente em contato com a terra. Como as leis ambientais mais rígidas, a lógica do trabalho de coveiro também mudou.
Agora, não são mais eles que cavam, e sim uma empresa terceirizada, também responsável por concretar o espaço para não deixar o caixão em contato com o barro. Outro papel importante do coveiro é dar conforto para as famílias, mas esta relação nem sempre foi tão amistosa.
Valentim conta que já levou tapas e até bofetões de pessoas que não queriam deixar o parente ser enterrado. Entendendo a dor de perder alguém, até agora ele não registrou um boletim de ocorrência por causa da violência de começo de luto. É no momento em que o caixão desce é que o familiar se dá conta que nunca mais verá a pessoa querida. Mas os casos de agressão são os mais raros.
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O comum é receber agradecimentos das famílias, cumprimentos quando há visitas no cemitério e até lembrança dos visitantes mais fieis no final de ano e no aniversário quando, às vezes, recebe presentes e chocolates. Afinal, ainda há gente no mundo que lembra do coveiro.
Nome que pode desaparecer da lista de profissões de Joinville. Há conversas internas na Fundema para que a atividade seja alterada para sepultador e operacional, já que hoje não há mais abertura de covas. Com a mudança na descrição do cargo, os trabalhadores poderão fazer outras atividades também, além de descer caixões ou selar túmulos.
Um dia de tristeza
Mesmo a pessoa mais acostumada com a morte como Valentim, um dia toma um susto quando perde alguém. Quando a mãe dele morreu há 4 anos, por mais que não estivesse trabalhando naquele dia, fez questão de ser ele a baixar o caixão, a selar o túmulo.
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Ela foi enterrada no Cemitério Nossa Senhora de Fátima, onde trabalha o filho. Toda a experiência e palavras de conforto que sempre deu às famílias não foram suficientes para minimizar a própria dor. Não era um estranho, um conhecido que estava ali sepultado: era a própria mãe.
O sentimento de perda, de tristeza até hoje não foi embora. Mas diferente de outras pessoas, ele pode estar mais próximo da pessoa querida. Todos os dias ele vai até o túmulo da mãe, vê se esta tudo certo e depois vai trabalhar. Dentro de quatro anos, Valentim irá se aposentar. O grande desejo era continuar trabalhando.
Mas é bem provável, como acredita ele, que a Fundema não libere para siga na atividade. Vai ter que dizer adeus definitivamente à mãe e a todos que enterrou ao longo dos 36 anos de carreira. Até agora, ele estima que já tenha ajudado a sepultar mais de 30 mil pessoas. ?
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Perfil do profissional
Valentim Manoel Pereira Idade: 46 anos
Profissão: coveiro
Local de trabalho: Cemitério Nossa Senhora de Fátima, no Itaum
Quando começou: em 1980
Motivo: o pai também era coveiro
Gosta do que faz: é a única atividade que fez durante toda a vida. Gosta de estar ali, de trabalhar e de estar em contato com as famílias. De cuidar, de certo modo, dos entes queridos que já morreram.
Família: é caso e tem dois filhos. Nenhum quis seguir a profissão do pai.