Corregedoria do Detran investiga autoescolas em Santa Catarina

Uma autoescola fechada e outras duas investigadas. As razões são suspeitas de fraudes para candidatos obterem a Carteira Nacional de Habilitação (CNH). A corregedoria do Detran está apurando dezenas de processos por irregularidades no encaminhamento do documento. A maioria envolve a frequência do candidato em aulas práticas de direção, mas também foram detectadas tentativas de burlar o controle em aulas teóricas em salas de aula.

Em cima das mesas e nos armários da corregedoria do Departamento Estadual de Trânsito (Detran), no Estreito, em Florianópolis, as pilhas de processos denunciam o perigo ao trânsito e à vida das pessoas: são relatos de irregularidades e denúncias para a obtenção da CNH.

Nem o Detran conhece o tamanho do problema por trás de quem deveria ter acima de tudo a obrigação de emplacar a rigidez e fazer valer a legislação: os Centros de Formação de Condutores (CFCs).

Alguns CFCs, conhecidos anteriormente como as autoescolas, são alvo hoje de 66 processos de investigação. As queixas são consideradas graves e teriam sido registradas em todas as regiões do Estado.

Outras 365 denúncias estão em análise, mas a equipe reduzida do Detran não dá conta de investigar tudo – o grupo é formado por dois delegados e um escrivão.

O Diário Catarinense teve acesso ao conteúdo de algumas investigações abertas em agosto. As suspeitas envolvem três autoescolas, em Içara, no Sul, Florianópolis e Blumenau, no Vale do Itajaí. Há situações grosseiras, como até o uso do líquido corretivo para apagar dados.

Uma delas, em Içara, no Sul, foi fechada provisoriamente pelo Detran há duas semanas. O delegado corregedor Renato Heitor Teixeira afirma que o CFC Paulista, que funciona na rua Henrique Laje, no Centro, com o nome de autoescola Objetivo, responde a seis processos administrativos.

A principal suspeita abrange aulas práticas, pois há desconfiança de que candidatos não estariam participando devidamente das aulas práticas.

O conferencista local do Detran verificou, por exemplo, quilometragem do veículo superior em ordem cronológica inversa à lógica da data. Ou seja, a quilometragem teria retrocedido nas fichas, o que denuncia que algo de errado. Pela reincidência, o Detran avaliou como necessária a medida cautelar do fechamento.

Na terça-feira à tarde, a reportagem esteve no endereço citado, em Içara. As portas estavam abertas e havia uma funcionária recebendo ao público, mas quem entrava era informado que o local está em reforma e não era atendido.

As empresas têm direito à defesa e ao contraditório. No geral, entre as penas, a medida mais extrema é o descredenciamento e o fim das atividades. Também há situações em que são aplicadas advertência ou multa. Por último, o processo é encaminhado ao diretor do Detran para a decisão final. Paralelamente, se houver indício de crime, poderá haver inquérito policial.

– Em alguns casos a situação financeira está acima pelo CFC a que se formar um bom condutor – observa o delegado corregedor, Renato Heitor Teixeira.

Quanto ao candidato, a punição maior geralmente é a interrupção do processo em que tenta a CNH. O diretor do Detran, delegado Vanderlei Rosso, acredita que na maioria das vezes os candidatos supostamente beneficiados não chegam a receber o documento.

– Pode até acontecer de algum ter recebido, mas ele passou por prova teórica e prática. Se for constatada a fraude ele pode perder a CNH – garante o diretor.

Tentativas para enganar sistema eletrônico

Entre as suspeitas de fraudes, há até tentativa para enganar a identificação biométrica (Ibio), um sistema computadorizado para fiscalizar o controle dos alunos nas aulas teóricas que começou a ser implantado no Estado em 2010 pelo Detran.

Pelo Ibio, as salas são monitoradas pelo Detran online por webcam. No início, a presença é conferida com impressões digitais no início. Durante a aula, é feita a fiscalização. No mínimo dois alunos por sala – escolhidos pelo próprio sistema – são chamados para confirmar sua presença.

O Detran pode ampliar a fiscalização e escolher mais alunos para comprovar presença em aula. A pós a chamada da fiscalização, o aluno escolhido tem 10 minutos para validar sua identificação.

Mas, para fazer de conta que o aluno estava na sala durante a fiscalização online, alguns instrutores colocavam fotografias na câmera em que o candidato deveria se fazer presente. O enquadramento mal feito acabou traindo os responsáveis. O Detran e o próprio sistema indicou as supostas fraudes, que e agora serão investigadas nos processos administrativos.

A certificação do Ibio está integrada e alcança os mais de 400 CFCs em atividade no Estado. Abrange as aulas para quem busca a primeira habilitação, atualização na renovação da CNH e reciclagem.

ENTREVISTA

::: André Luís Mendes da Silveira, delegado da corregedoria do Detran, alerta: “Pode perder o credenciamento e ser fechado”

Associação reivindica chip em carros para controle

Um chip de monitoramento nos carros e a identificação biométrica (Ibio) nos cursos práticos de direção são meios que podem melhorar a fiscalização sobre os candidatos e as autoescolas em Santa Catarina.

A reivindicação é da especialista em trânsito e presidente da Associação Catarinense dos Centros de Formação de Condutores (ACFC), Yomara Ribeiro. Delegados corregedores do Detran também defendem a implantação desse sistema, que por enquanto existe no Estado apenas nas aulas teóricas em salas de aula.

– Sabemos que um mau formando pode se envolver em acidente. A gente está falando de vidas, não se pode levar na brincadeira uma situação dessas. Por isso defendemos todo tipo de fiscalização que for possível – ressalta Yomara, em defesa do chip nas aulas práticas ao de volante e da ação forte da corregedoria do Detran sobre as irregularidades.

O DC tentou ouvir a opinião do Sindicato dos Centros de Formação de Condutores de SC (Sindemosc), mas o seu presidente não foi localizado na sexta-feira.

Falta de prática e de conhecimento no trânsito são apontados como fatores que podem gerar acidentes e mortes. O major Fábio Martins, da Polícia Militar Rodoviária e especialista em policiamento rodoviário, diz que as estatísticas mostram que 60% das pessoas que se envolvem em acidentes tem menos de cinco anos de habilitação.

– Imagina então o perigo que representa as pessoas que não passam por treinamento, por aulas práticas e conseguem a habilitação por fraude. São pessoas em risco potencial – alerta.

O risco aumenta em rodovias, onde o nível de exigência ao condutor das regras e o comportamento no trânsito são ainda maiores. O major cita como exemplo uma situação típica no dia a dia, de manter certa distância do veículo da frente, que nem sempre é respeitada justamente pela falta de prática ou de orientação ao motorista.

O PROCESSO LEGAL PARA TER CNH

O candidato deve ter 18 anos e passar obrigatoriamente por um Centro de Formação de Condutores (CFC) para as aulas teóricas e práticas.

Documentação exigida: fotocópia da carteira de identidade, CPF e comprovante de residência emitido há no máximo 90 dias.

Fazer exames médico e psicológico.

Fazer curso teórico-técnico de 45 horas/aula (no CFC), pelo qual vai receber um certificado. Depois, será realizado o exame teórico no órgão de trânsito.

Os aprovados no exame de legislação recebem a Licença de Aprendizagem de Direção Veicular (LADV). Com ela, o candidato começa as 20 horas/aulas do curso prático de direção veicular, ministrado pelo CFC.

EXEMPLOS DE CAMINHOS ILEGAIS PARA TER CNH

O candidato ou o CFC apresentam endereços falsos, não existentes ou não entregam os comprovantes. Há casos de aliciamentos de candidatos com endereço fora do Estado.

Supressão com uso de corretivo de informações, adulteração e inserção de dados inverídicos nas fichas de controle de frequência de aulas práticas.

Nas aulas teóricas, em fiscalização da presença do candidato por sistema online do Detran, o instrutor coloca a foto do candidato na câmera para fingir que ele está na aula.

Assinaturas de frequência com a mesma caneta e localização na ficha, indicando que foram todas feitas de uma só vez e não progressivamente conforme o andamento das aulas.

Negligência na conferência das fichas de controle e frequência de aulas práticas, deixando de perceber os registros errados de quilometragem ou preenchido com a quilometragem errada as fichas de controle.

Fazer aula prática antes de ter a LADV.

(Fonte: Detran/SC)

Contrapontos

O que disseram:

CFC Paulista (Objetivo), de Içara:

Motivo da apuração do Detran: preenchimento errado das fichas de controle e frequência de aulas práticas, negligência na fiscalização do preenchimento dos formulários para habilitação, ter deixado de atuar para sanar as irregularidades e de perceber os registros errados de quilometragem.

Na autoescola de Içara, nenhum dos funcionários quis falar com a reportagem. Por telefone, o dono não foi localizado. Foi deixado recado durante a semana, mas não houve retorno das ligações.

CFC Aprendiz, de Florianópolis:

Motivo da apuração do Detran: ter suprimido com uso de corretivo o endereço do processo de primeira habilitação de uma candidata; ter deixado de preencher o endereço no RENACH de outra candidata e não juntado o comprovante de endereço dos dois candidatos; terem os diretores inserido dados inverídicos em fichas de controle de frequência de aulas práticas de sete candidatos.

O proprietário, Tony Rodrigues, disse que a empresa é idônea, está há 17 anos no mercado e que as supostas irregularidades não procedem. “Não houve má fé. Até que se prove o contrário somos todos inocentes”, afirmou.

CFC Garcia, de Blumenau:

Motivo da apuração do Detran: ter autorizado que fossem ministradas aulas práticas a uma candidata sem que a mesma tivesse Licença de Aprendizagem de Direção Veicular; ter permitido e ministrado as aulas à candidata sem a devida licença.

O dono do CFC não foi encontrado pela reportagem. Foi deixado recado na sexta-feira à tarde, mas não houve retorno das ligações.