O inquérito que investiga desvios de recursos públicos no programa Universidade Aberta do Brasil (UAB), curso de ensino a distância (EaD) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), ao qual o Diário Catarinense teve acesso na íntegra, revela que o afastamento de Luiz Carlos Cancellier do cargo de reitor já era uma medida reivindicada pela própria corregedoria da universidade quase dois meses antes da realização da operação da Polícia Federal (PF). A alegação era de que o reitor agia para tentar obstruir o trabalho da corregedoria, suspeita que foi considerada pela Justiça quando autorizou a prisão temporária dele na quinta-feira — todos os sete detidos ganharam a liberdade no dia seguinte.
Continua depois da publicidade
Conforme a investigação, em ofício enviado à Polícia Federal em 19 de julho, o corregedor-geral da UFSC Rodolfo Hickel do Prado sugere tentativas de Cancellier em impedir o prosseguimento da investigação interna, que analisa os mesmos crimes apurados pela PF. O corregedor disse aos policiais que recebeu diversos tipos de pressão, como ser rebaixado a uma função comissionada menor, por “não aceitar ser subserviente ao gabinete do reitor”.

Hickel do Prado ainda diz ter sofrido ameaças de exoneração e contesta a decisão do reitor de “avocar” o processo em trâmite na corregedoria, o que o obrigou a repassar cópias da investigação ao gabinete da reitoria. O corregedor alertou a Polícia Federal que, além de o processo ser sigiloso e de não ser atribuição da reitoria aquele tipo de apuração, o próprio reitor era alvo das investigações, “uma vez que citado o seu nome como suposto beneficiário no pagamento de bolsas e outras irregularidades”.
O corregedor alega que Cancellier sabia da suspeita de desvio de recursos, mas só teria demonstrado interesse na apuração após descobrir que tinha seu nome citado. A manifestação da corregedoria também questiona a atuação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), em Brasília, por não ter respondido a pedidos de informação na investigação interna. “Parece que existe um conluio entre o gabinete do reitor com a diretoria da Capes no sentido de tentar frustrar as investigações, uma vez que informações de caráter sigiloso tratadas com seu presidente foram passadas ao gabinete do reitor e ao setor investigado”, descreve no ofício.
Ao final, o ofício do corregedor-geral pede o afastamento do reitor pelo prazo entre seis meses e um ano, assim como o afastamento da diretora da Capes com o intuito de evitar interferências na investigação. As manifestações do corregedor tiveram peso na investigação da Polícia Federal, pois foram levadas ao conhecimento da Justiça, ainda no mês de julho, como sinal da “urgência” de se aplicar as medidas solicitadas, ou seja, as prisões e as conduções coercitivas.
Continua depois da publicidade

Uma das justificativas de Cancellier para ter acesso ao procedimento da corregedoria, conforme publicado em memorando, era de que sua chefia de gabinete teria competência concorrente com a do corregedor-geral na instauração de sindicâncias e que poderia substituí-lo, considerando que a corregedoria estaria com desfalque de servidores.
Numa manifestação enviada à Justiça, no entanto, a delegada da PF Érika Marena, reponsável pela investigação, destaca que a Controladoria Geral da União expressou “estranheza” no fato de a Reitoria da UFSC avocar um procedimento específico da corregedoria. A Superintendência da Controladoria Regional da União havia apontado que a medida deveria ser feita “em caráter excepcional e por motivos relevantes devidamente justificados”, mas que “tais motivos não foram explicitados pelo reitor”.
Para a delegada, a situação demonstrou a “preocupação dos investigados com o andamento do caso”. O ofício da corregedoria da UFSC, a manifestação da Superintendência da Controladoria Regional da União e o depoimento do corregedor-geral foram levados à Justiça para amparar o pedido de prisão.