Black ainda brinca como se fosse um filhote. Corre atrás da bola, rola no chão e agita o rabo com força quando vê a adestradora segurando os brinquedos. Mas os pelos brancos, que começam a tomar conta do focinho, indicam que já é um respeitável senhor. O temperamento agitado, aos nove anos de idade, é resultado dos oito anos de treinamento e trabalho junto à Polícia Militar de Balneário Camboriú, como cão farejador. Black ainda não sabe, mas está prestando os últimos trabalhos como policial. A partir de 15 de março estará aposentado, liberado para uma vida de sombra e água fresca.

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O destino do labrador já está definido. Vai mudar-se para Tocantins com um cabo aposentado da PM, com espaço de sobra para correr e brincar. Para a soldado Andrea Metzner, adestradora de Black, é uma dolorosa despedida. Com lágrimas nos olhos, ela diz que prefere nem pensar na hora de dizer adeus.

_ É difícil me despedir dele porque a relação que temos com os cães é muito forte. Fico com eles até mais tempo do que com a minha família. É como um casamento _ diz.

Enquanto a hora de partir não chega, o labrador segue atuando na Operação Camboriú mais Segura, que desde o mês passado ocupa as áreas de maior índice de criminalidade na cidade. Dias atrás, encontrou drogas escondidas no porta-luvas de um carro.

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Trabalhos como este fazem parte da rotina do labrador. Dono de um faro aguçado, que chega a 400 vezes a capacidade humana, ele também acumula no currículo a descoberta de objetos roubados e armas _ uma delas, escondida atrás de uma parede.

_ Como era arma de um usuário, ele associou ao cheiro da droga. A parede era coberta de isopor e ele cavocou até achar _ conta Andrea.

Quilinhos a mais

O talento de Black, porém, quase foi prejudicado por seus quilinhos a mais. Filhote de um cão policial já aposentado, ele chegou ao 12º Batalhão ainda bebê, mas com excesso de peso. No início, correr por poucos metros o fazia sentar. Sinal de cansaço, algo que o desabilitaria para um trabalho pesado que inclui farejar, muitas vezes, várias casas num dia só.

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Afeiçoada ao labrador, Andrea resolveu atuar como personal trainer canina. Começou com caminhadas, aliadas a uma alimentação balanceada. Aumentou o ritmo e em poucos meses deixou Black pronto para o treinamento, que fez dele um campeão de faro.

Para os cães, trabalho não passa de brincadeira

Quando Black for embora, deixará no canil do 12º Batalhão da PM, em Balneário Camboriú, seis companheiros de trabalho. O K-9, como é chamado o grupo de policiamento com cães, conta com o pastor alemão Xeo, o rotweiller Fusil e os pastores belgas malinois Gaia, Bout, Wanda e Yankee.

Com exceção de Xeo e Bout, os demais são filhotes e ainda não foram liberados para o trabalho nas ruas. No batalhão, os cães têm as habilidades identificadas e aprimoradas para que possam exercer funções como guarda, proteção e busca de suspeitos na mata.

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O treinamento inclui brincadeiras com bolas, brinquedos de borracha, luvas para morder e muita atividade física. Além de velocidade e impulso em terra, para escalar muros e paredes, os cães nadam grandes distâncias. O treino é feito no mar, na Praia do Estaleiro.

Só podem fazer parte do K-9 cães-alfa, aqueles que se destacam nas ninhadas por serem agitados demais, curiosos e com capacidade de aprendizagem. O mesmo cão que faria um estrago no quintal pode ser uma opção perfeita para o trabalho policial, garante Andrea. Por isso, a maioria chega através de doação.

Os doadores são estimulados a visitar os cães durante toda a vida dele na polícia. E, quando se aposentam, podem levá-lo de volta para casa.

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Vida dedicada aos animais

Primeira mulher no Estado a fazer o curso completo de adestradora no Canil Central da PM, a soldado Andrea Metzner deixou o policiamento de rua para trabalhar exclusivamente com os cães. Dona de sete cachorros e acostumada a recolher animais abandonados nas ruas, ela descobriu no K-9 uma vocação. O canil a levou à faculdade de Biologia e a especializar-se em fisioterapia animal.

_ Não é mais trabalho, é uma parte da minha vida. Me sinto realizada com cada conquista deles. Sei que vou ter que sair daqui um dia, mas vai ser para cuidar de bichos.

Hoje, o efetivo do K-9 tem ainda dois homens e uma mulher, a soldado Kelly Kletke. Segundo o subcomandante do Canil Central da PM em Florianópolis, capitão André Rodrigo Serafin, elas ainda são minoria entre os adestradores.

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_ As mulheres gostam muito dos animais, mas algumas não têm o perfil de adestradoras, que exige didática e metodologia. As roupas usadas também são pesadas, e os cães mordem com bastante força. Mas aos poucos elas estão conquistando seu lugar _ diz.

Para adestrar é preciso passar por provas técnicas, teóricas e práticas, de condução dos cães, e estar disposto a tomar, vez ou outra, algumas mordidas. Em compensação, a relação é de total cumplicidade.