Foi no mesmo ginásio que Vitor Isaías tantas vezes jogou antes de ir para os gramados que familiares e amigos se despediram e prestaram homenagens ao jovem atleta de apenas 15 anos. O atacante das categorias de base do Flamengo morreu na sexta-feira (8) no incêndio que atingiu o alojamento do Centro de Treinamento (CT) do clube, no Rio de Janeiro. O sepultamento ocorreu no início da tarde deste domingo (10), no Cemitério Municipal de Biguaçu, na Grande Florianópolis.

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Dezenas de medalhas e troféus conquistados pelo atleta ornamentavam o ginásio Carlos Alberto Campos, no Estreito, na Capital, onde Vitor foi velado na manhã deste domingo. Cerca de 400 pessoas passaram pelo local, que fica próximo ao Estádio Orlando Scarpelli, do Figueirense, clube pelo qual o atacante passou antes de jogar pelo Athletico Paranaense e chegar ao rubro-negro carioca.

Acompanhado de um cortejo, às 13h um carro do Corpo de Bombeiros levou o caixão até o cemitério, onde foi possível dar o último adeus a Vitinho — como Vitor era chamado por familiares e amigos.

Além da Associação dos Pais de Atletas de Futsal Florianópolis (Apaff), representantes da Embaixada Fla Floripa e do Consulado Fla-BC estiveram presentes para prestar as últimas homenagens ao atleta da base flamenguista.

O outro catarinense que também perdeu a vida no incêndio, Bernardo Pisetta, 14, foi sepultado na manhã deste domingo em Indaial, no Vale do Itajaí.

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Vitinho sonhava em ajudar a avó

Em um país de poucos, a trajetória de Vitor dentro e fora de campo foi semelhante a de muitos. Apesar de ter chegado onde muitos garotos da idade dele sonham estar, a história que o levou até lá jamais foi esquecida.

— Ele nunca negou as origens. Dizia que queria ser famoso pelo futebol que jogava, mas que nunca ia esquecer de onde veio — lembra a prima do jogador, Joice de Souza.

Filho de pais separados, Vitinho, como era conhecido, foi criado pela avó, dona Josete, por quem mantinha amor de pai e mãe. A última mensagem trocada com ela foi por volta de 00h30min de sexta-feira.

De manhã, assim que a avó acordou, retornou a mensagem do neto, mas não teve mais resposta. A dolorosa notícia do incêndio veio por meio da televisão. O episódio é relatado pela prima de Vitinho, em um misto de saudade e ainda inconformismo com a tragédia.

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— Além de toda a tristeza, a gente fica pensando no que aconteceu na hora, porque ele não correu. Ele era muito ágil, muito esperto. É difícil acreditar — conta Joice.

Entre tantos sonhos que o garoto cultivava, a possibilidade de ajudar a avó era algo que ele tinha como meta dentro da profissão.

— Ele dizia "meu maior objetivo é dar orgulho para a minha vó". Ele queria muito dar uma casa pra ela. Dizia, às vezes brincando, que em três anos não ia mais precisar pagar conta, porque ele ia ter condições de ajudar — lembra a prima.

E o futebol sempre foi o meio encontrado por ele para isso. Joice conta que durante as férias, Vitinho veio a Santa Catarina passar o Natal com a família, onde permaneceu até o último dia 3.

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A passagem de volta ao Rio estava marcada para o dia seguinte. No sábado, véspera do retorno ao alojamento, Joice recorda que chegou a perguntar a Vitor o que ele faria se a carreira no futebol não desse certo.

— Ele disse que não tinha outros planos, porque tinha que dar certo. "O futebol é a minha vida" ele falou — recorda a prima.

"Ele estava onde queria, fazendo o que queria"

Falar dos familiares de Vitinho é também compreender que a relação de parentesco na vida do garoto ia muito além dos laços sanguíneos. O empresário Sergio Morikawa foi o primeiro a cuidar da carreira do atleta. Com o tempo, se tornou responsável por acompanhar o jogador, passando a fazer parte de sua história fora dos gramados.

Vitor entrou na vida de Sergio há cerca de sete anos, quando participava de uma peneira — seleção que os clubes de futebol fazem para descobrir novos talentos — com o filho do empresário. Desde então, a relação entre eles se estreitou a tal ponto que o adolescente passou a ser considerado da família e chamado de "filho de coração".

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Foi Sergio que também teve a árdua tarefa de trazer o corpo de Vitor. Ele embarcou para o Rio de Janeiro ainda na sexta-feira, após a confirmação da morte feita a partir das impressões digitais.

— Tivemos todo o apoio do Flamengo desde o início, inclusive com passagens, hotel… eles cuidaram de tudo — conta.

Sergio diz que, neste momento, o sentimento que fica é de conforto pelo fato de Vitinho ter partido em um dos momentos mais felizes da vida.

— Ele estava onde queria, fazendo o que queria. Apesar da tristeza e da saudade, ele estava muito feliz onde estava — afirma o empresário.

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Mesmo que as cores rubro-negras tenham sido as últimas defendidas por Vitor, a Apaff, onde o atacante deu os primeiros passos na base antes do futebol de campo, foi constantemente lembrada por meio de gritos de guerra que um dia o garoto também entoou.

Foi nos jogos pela Associação que o ex-jogador do Figueirense e admirador do talento de Vitinho, Edu Sales, conheceu o promissor camisa 9.

— Eu sempre vi nele um grande potencial. A maneira como ele jogava dentro de quadra, já mostrava que ele tinha jeito para o campo — relembra.

Em relação à personalidade, Edu lembra do constante sorriso que Vitinho estampava tanto dentro quanto fora de quadra. Alegria essa também lembrada como traço marcante pelo ex-jogador rubro-negro e empresário de Vitor, Sávio Bortolini.

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Mas apesar do jeito brincalhão, a maturidade que o atleta de apenas 15 anos tinha em relação à atuação profissional é um dos aspectos ressaltados por Sávio.

— Ele sorria por pouco. Um menino muito alegre, mas que encarava o futebol com seriedade. Ele estava no momento mais focado — ressalta o empresário, que há dois anos trabalhava pela carreira do jogador que passou a atuar nas categorias de base.

Dez mortos no incêndio no CT do Flamengo

O incêndio em um alojamento da base no CT do Flamengo, o Ninho do Urubu, começou por volta das 5h de sexta-feira (8). Ao todo, dez jovens morreram e três ficaram feridos – um em estado grave. As causas do incidente ainda são investigadas.

No sábado (9), o presidente-executivo (CEO) do clube, Reinaldo Belotti, afirmou que picos de energia provocados pelas chuvas que atingiram o Rio de Janeiro podem ter provocado o incêndio. Ele fez apenas um pronunciamento, e não foi permitido que a imprensa fizesse perguntas.

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Belotti ainda minimizou a ausência de alvarás e de licenças como causas para a tragédia, e alegou que o clube fez manutenções recentes nos aparelhos de ar-condicionado.