Na segunda-feira após a Páscoa, o diretor-executivo do Hospital São José, de Joinville, entrou na unidade hospitalar e foi diretamente para o departamento que está responsável pelos casos de Covid-19. Não havia reuniões nem monitoramentos para serem feitos. Douglas Machado, 59 anos, já percebia sintomas semelhantes aos relatados por pessoas diagnosticas com coronavírus desde o fim de semana, e entrou no hospital naquele dia como paciente.
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– Acordei com a sensação de que tinha sido atropelado por um trem. Fui direto para o serviço de saúde porque, pela regra, os profissionais de saúde devem ter o exame realizado. Fui única e exclusivamente para ser atendido pelo serviço de Covid, fazer o exame e voltar para casa – relembra.
Machado faz parte de um grupo de mais de 700 profissionais que trabalham na área da saúde pública e estão afastados do trabalho por causa do novo coronavírus em Santa Catarina. Parte deles, como Machado, contraiu o vírus, mas a maioria está com sintomas, aguardando o resultado de exames, ou faz parte da mesma equipe de profissionais que foram diagnosticados. Ou ainda, integra o grupo de risco pela idade ou por comorbidades.
O diretor do Hospital São José ainda não entrou na faixa etária considerada de risco, mas tem diabetes tipo 1 e hipertensão. Mesmo assim, como as atividades não envolvem contato direto com os pacientes, seguiu trabalhando no setor administrativo do hospital. Ele acredita que o contágio tenha acontecido lá dentro.
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– Provavelmente foi, porque mesmo não atuando direto com o paciente, você acaba alvo de infecções cruzadas, ao tocar a maçaneta da porta ou objetos que alguém tocou e você acabou tocando também, e depois passou a mão no rosto, no olho, no nariz – analisa Machado.
Até 9 de abril, último dia de trabalho antes que ele começasse a sentir os sintomas do novo coronavírus, a orientação da Vigilância Sanitária e do Centro de Controle de Infecções do hospital era que o uso de máscaras era obrigatório apenas para servidores que tinham contato com pacientes, em especial os sintomáticos.
Os profissionais da área administrativa não estavam sujeitos à norma – duas semanas depois, a legislação foi alterada por decretos que garantem que todas as pessoas usem máscaras de proteção em qualquer atividade coletiva, em todos os lugares.
Medo de morrer
O conhecimento de gestor de um hospital referência da região não evitou que o medo e a ansiedade fizessem parte do isolamento. Para ele, ligar a TV e ouvir sobre o aumento do número de mortes de pessoas diagnosticadas gerava mais insegurança.
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– Acho, na verdade, que a ignorância pode levar você a uma tranquilidade maior. Quando você sabe, é pior; e não digo só pelo conhecimento teórico, porque ainda temos muita coisa a aprender sobre esta doença. É uma situação que me deixou, particularmente, com muito medo de morrer. Você sabe que está com a mesma doença que aquela pessoa que morreu com 32 anos, previamente sadio – analisa Machado.
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O governo do Estado não tem um levantamento do número de profissionais de saúde do Estado infectados pelo novo coronavírus, mas na rede estadual de saúde de Santa Catarina chegava a 190 a quantidade de servidores que não estavam trabalhando porque tinham diagnóstico confirmado, apresentavam sintomas ou porque fazem parte do grupo de risco.
De acordo com dados divulgados pelo Conselho Regional de Enfermagem de Santa Catarina (Coren), 438 profissionais de enfermagem estavam afastados dos postos de trabalho — 30 deles com resultado positivo para Covid-19, até a última quarta-feira.
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Maior cidade do Estado, Joinville tinha cerca de 500 profissionais afastados na última semana, mas a Secretaria de Saúde da cidade não detalha quantos destes contraíram Covid-19 – do Hospital São José, eram nove pessoas, contando com o diretor da unidade – e quantos estavam aguardando resultados, ou em quarentena por serem do mesmo setor que profissionais diagnosticados ou com sintomas.
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– Quando um profissional apresenta sintomas, todos daquela área são colocados em isolamento – informou o prefeito de Joinville, Udo Döhler.
Em Florianópolis, até a segunda quinzena de abril 44 profissionais foram afastados por conta do coronavírus, dos quais 22 tiveram diagnóstico de casos confirmados. Em Blumenau, até o início do mês, 45 servidores haviam se afastado por conta do novo vírus. Em Chapecó, não há trabalhadores municipais da saúde em licença por causa do novo vírus.
De acordo com o Ministério da Saúde, mais de 8,2 mil pessoas se inscreveram para atuar como voluntários na força-tarefa depois do chamamento feito pelo governo federal. Em Santa Catarina, 143 médicos se inscreveram para atuar nos postos de saúde do Estado durante a pandemia, como parte do programa Mais Médicos para o Brasil.
A reportagem fez contato com o ministério, via e-mail e também por telefone, para saber se algum profissional havia sido convocado para atuar em Santa Catarina, mas até o fechamento da edição não teve retorno com a resposta.
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