Esta reportagem nasce de uma pergunta:
– O que as irmãs que vivem em clausura têm a nos ensinar em tempos de isolamento social?
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Afinal, de uma hora para outra o mundo ficou recluso dentro de casa. Decretos governamentais, instinto de preservação e o bom senso em proteger os mais suscetíveis ao novo coronavírus confinaram o planeta.
Até que começamos bem, nos reinventamos em fazer coisas que alegávamos faltava tempo e compartilhamos novas experiências. Mas não demorou muito para que as atividades virassem aborrecimento, marasmo, tédio. Será que para as irmãs que vivem dentro de um ambiente fechado também existe monotonia?
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A reportagem foi atrás da resposta. O caminho foi o Carmelo Cristo Redentor, em São José, na Grande Florianópolis. Por causa da pandemia, o diálogo com as monjas se tornou mais restritivo do que o normal: a missa diária e as visitas ainda estão suspensas. A conversa tinha que ser por telefone, o qual nem sempre atendia:
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– Ainda não conseguimos responder as perguntas. Nosso turno de oração se intensificou por causa da pandemia – informava pacientemente a irmã Maria Marilei, a madre superiora.
O valor do silêncio
A vida de uma carmelita é simples, silenciosa, escondida. As monjas dizem valorizar o silêncio por desejarem escutar a voz de Deus. Baseado na oração, o modo de viver busca equilíbrio entre reza e trabalho. Sabem disso desde que dão às costas à porta de entrada do portão do mosteiro. As grades são deixadas apenas em situações excepcionais, como consulta médica, doença de familiar, dia de eleição.
A rotina de todas começa cedinho, com a oração de Laudes (da manhã), às 5h. O chamado ofício do dia (liturgia) se encerra às 21h. Após este momento cada irmã pode fazer o que quiser: recolher-se, rezar em particular, ler, escrever. Em períodos especiais as monjas fazem vigília e o dia encontra a noite.
Mídias com acesso meditado
Apesar de contemplativas, as monjas têm atividades para a subsistência e partilha. Além da limpeza da casa e da igreja, elas cozinham, cuidam da horta e do jardim. Também se dedicam a trabalhos manuais. Diferente do que se possa imaginar, a clausura não significa alienação. As religiosas não estão totalmente descontextualizadas do que acontece no mundo.
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O Carmelo Cristo Redentor, em São José, tem site. O acesso das monjas seja mais do que limitado: é meditado. Obedecem, assim, ao que sugeriu o Papa Francisco, em 2016, ao atualizar as regras da vida contemplativa. Francisco reconheceu os meios digitais e que esses podem ser úteis, mas pediu “discernimento prudente” do uso.
Para Francisco, os meios digitais podem ser colocados a serviço da formação à vida contemplativa. Mas não prejudiciais, seja para a vocação ou a quem inteiramente de dedica inteiramente à contemplação.
Assim ficou compreensível o que respondeu a madre Maria Marlei sobre as respostas também pelo WhatsApp:
– A nossa mídia é o e-mail.
Foi por esse e-mail que as monjas enviaram fotografias mostrando os cuidados com o coronavírus nas rotinas de trabalho.
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A sublime lição da paz
A pergunta que inspirou esta reportagem também foi feita pela Igreja Católica. O bispo da cidade italiana de Avellino, dom Arturo Aiello, sugere que a maior lição das irmãs em clausura para este momento da humanidade é a arte de viver em paz dentro de um pequeno espaço. Sem sair, sem usar aviões ou ônibus, mas com muitas viagens interiores. O bispo se rendeu ao modo de vida das monjas: “pedimos o encorajamento necessário para entender que o espírito não pode ser aprisionado”.
Com o silêncio que lhes é peculiar, as 15 mil carmelitas espalhadas pelo mundo ensinam a fazer as coisas lentamente, com solenidade, sem correr, prestando atenção aos detalhes. Mestras da vida reclusa, elas continuam a receber mensagens. São cartas, bilhetinhos, e-mails e telefonemas com pedidos de orações. São remetentes do medo e da angústia diante da pandemia, do que pode acontecer com a vida de quem escreve e familiares. As monjas respondem como sempre: rezando.
Entre a escolha e as escolhidas
Irmã Maria Stella veio ao mundo como Francisca. No último dia 17 de março ela comemorou 92 anos de vida. Desses, 72 anos de mosteiro. Nascida em uma família católica no Rio Grande do Sul, sentiu ainda criança que seguiria a vida religiosa. Só não imaginava numa clausura que viria a inaugurar em Santa Catarina.
Ainda hoje ela gosta de falar da vez que teve dar uma “pressão” na Santa Madre Tereza D’Ávila. Jovem na época, a irmã diz que estava em dúvida:
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– Eu disse assim: Terezinha, ou vai ou racha. Tens que me dar um sinal se queres que eu vá para o teu Carmelo. Manda esse sinal na cor rosa.
Certo dia, enquanto caminhava para visitar uma pessoa no hospital uma colega que cuidava do jardim a chamou. Ao saber, a moça disse que mandaria uma flor para a doente. Os canteiros estavam floridos com rosas brancas e vermelhas. Sem saber de nada, a amiga hesitava disse:
– Vamos lá no outro lado. Lá tem a flor que deves levar: rosa.
Para Maria Stella deu-se o sinal sobre a escolha da vida contemplativa. Ela conta que jamais se arrependeu da escolha.
– Sou uma pessoa feliz por ter escolhido Deus na minha vida.
Irmã Maria Madalena, 39 anos, recebeu de batismo o nome Regiane Romualdo. Nascida em Quixeramobim, sertão central do Ceará, mudou-se com 15 anos para Fortaleza, onde foi estudar e trabalhar. Em 2009 foi convidada para o Renascer – programação com arte, música, atos litúrgicos – da comunidade Shalom. Passou por experiência muito forte da presença de Deus.
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Aos 28 anos leu o livro Caminho de Perfeição, de Santa Teresa D´Ávila. Mas ainda não tinha claro o que fazer. Certo dia acessou a internet, achou o site do carmelo de SC e resolveu escrever para um e-mail disponível. Entre uma correspondência e outra recebeu o convite para conhecer o local. Veio uma, duas, três vezes. Até que decidiu:
– Aqui é o meu lugar.