A pandemia do novo coronavírus tem alterado significativamente a forma de se relacionar, os comportamentos e a rotina das pessoas. Além da preocupação com a propagação do vírus e o colapso que o sistema de saúde pode, consequentemente, enfrentar, é inevitável considerar outra situação que também tem assolado toda a população: a crise econômica. Com ela, as consequências também são difíceis de lidar e o medo das incertezas, do desemprego e da instabilidade só aumenta. O desafio se torna ainda maior quando se está à frente de decisões que impactam não só a própria vida, como também a vida de milhares de pessoas e familiares, e tudo isso de forma direta.
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Durante este período, especialistas da área da saúde e comportamental relatam que a busca por ajuda psicoterapêutica aumentou. Conforme o especialista em psicodinâmica em gestão e negócio, Luiz Fernando Garcia, os atendimentos feitos por ele aumentaram cinco vezes logo no início dos decretos de isolamento social no Brasil. Segundo um estudo liderado pelo instituto que leva o nome do especialista, e também pela Cogni-MGR, Santa Catarina ocupa o 2º lugar do ranking nacional de 337 CEOs e empresários que mais buscam atendimento psicológico com pânico de quebrar. São 96 em SC, enquanto São Paulo tem 168 gestores que buscam com o apoio.
Isso se explica porque, mediante tal contexto, empresários, empreendedores, CEOs, líderes e gestores das mais diversas companhias tiveram de optar por demitir funcionários ou até mesmo fechar empresas. Com isso, não apenas a preocupação com o negócio, mas a instabilidade pessoal também os afeta. Só em SC, segundo pesquisa divulgada pelo Sebrae em maio, cerca de 530 mil pessoas já perderam o emprego desde o início da crise provocada pela pandemia da Covid-19. Para esta pesquisa, foram ouvidos 2.547 empresários (do universo de pequenos negócios, médias e grandes empresas) de todas as regiões do Estado.
Até o momento do estudo, 114 mil empresas estavam inoperantes em SC. Os microempreendedores individuais foram os mais afetados: 28,7% deles seguiam com as atividades suspensas ou fecharam as portas. Sem contar que, em relação ao faturamento, a perda total representa 56,5% total do esperado para o período. Estima-se que a perda total de faturamento das empresas catarinenses já soma R$ 16,2 bilhões.
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A necessidade de acesso ao crédito é a principal “dor” do setor de tecnologia, um dos mais importantes do estado. A conclusão, ainda baseada em dados preliminares, é de uma pesquisa conduzida pela Associação Catarinense de Tecnologia (Acate), obtida com exclusividade pela coluna “Tech SC”: 46% dos empresários relataram que esse é o principal ponto de atenção. E os maiores impactos em termos de resultados foram em novos contratos e clientes. Já nas atividades das empresas, os maiores impactos mapeados são nas vendas e no financeiro.
É neste momento que as lideranças precisam estar fortalecidas para buscar alternativas e tomar decisões mais assertivas, reduzindo impactos no negócio e na vida dos funcionários. Mas, quase paradoxalmente, como manter a saúde mental diante dessas decisões em um cenário tão instável e incerto?
AS DEMANDAS
Confira o que os 337 empresários de todo o país que atuam com o instituto têm procurado:
53%
Buscam por guru, confirmação se as estratégias estavam corretas e a conscientização do precisaria ser feito.
27%
Tentam manter os funcionários motivados, principalmente os que ficaram em trabalho remoto.
20%
Revelam dificuldade afetiva de demitir.
Fonte: Instituto Luiz Fernando Garcia e Cogni-MGR
“Nosso cérebro odeia a surpresa, a imprevisibilidade”, diz neurologista
O médico especialista em neurologia cognitiva e do comportamento Fabiano Moulin explica que as maiores preocupações neste cenário estão justamente conectadas ao não saber:
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– Uma coisa que nosso cérebro odeia é a surpresa, a imprevisibilidade. Durante a evolução, o ser humano criou ambientes para tornar tudo previsível. E, de repente, tudo ao redor está imprevisível: economia, emprego, saúde, a própria presença dos familiares. É isso que nos sobrecarrega. A gente não conseguir ter a tranquilidade de um ambiente previsível e, consequentemente, a nossa cabeça não conseguir se organizar para ter estabilidade – destaca.
Conforme o psicoterapeuta Luiz Fernando Garcia, os principais problemas enfrentados pelos líderes estão ligados à busca pela convicção das escolhas, à culpa em desligar os funcionários e como motivar os colaboradores em casa. A partir dessas preocupações, outros sintomas começam a aparecer, como a ansiedade e insônia.
Moullin, por sua vez, pontua que não há distinção entre cérebro, corpo e mente e, por estar tudo conectado, tanto um corpo adoecido pode levar ao estresse mental, quanto o estresse mental também pode adoecer o corpo. Tais condições aumentam também o risco de problemas como infarto, AVC e doenças associadas ao estresse crônico. Além disso, para quem já possui doenças neurológicas ou psiquiátricas, essa sobrecarga pode ser o suficiente para desencadear mais sofrimento e desconforto.
– Naturalmente os empresários têm que lidar com muitas variáveis. Eles já são corajosos por conseguir lidar com tantos riscos pelos quais precisam correr para poder investir. Isso sendo difícil em um ambiente razoavelmente previsível, agora, coisas que antes eram básicas e certas faz aqueles que arcam com riscos econômicos alcançarem o topo de estresse – considera Moulin.
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Para tanto, os dois especialistas afirmam que é necessário dar um passo atrás para conseguir lidar com todas as situações com maestria. Durante um voo de avião, uma das orientações diante de uma situação de risco é para que os passageiros coloquem a máscara de respiração em si antes de começar a ajudar a outras pessoas.
Essa analogia é utilizada por Garcia para explicar aos empresários que, antes das tomadas de decisões a respeito da empresa e dos funcionários, é fundamental que a atenção seja voltada a eles mesmos e, principalmente, que o foco esteja no presente, ou então não será possível salvar os demais passageiros.

Organizar a rotina é fundamental para manter o foco
Algumas medidas defendidas pelos especialistas sugerem a estruturação da rotina como um meio para conseguir atingir tal foco. Segundo os dados divulgados pela Acate, a maior parte das empresas associadas adotou o trabalho remoto, aderiu a plataformas colaborativas, permitiu o uso de equipamentos corporativos e passou a liberar horários flexíveis de trabalho.
Por mais simples que pareça, é imprescindível estabelecer regras e a organização para “enganar o cérebro” em uma composição de coisas, como, por exemplo, instalar a ambiência em casa antes de começar a trabalhar. Dessa forma, o cérebro entende que, de fato, o expediente iniciou. Não pular etapas e manter um ritmo de funcionamento é importante.
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– Se você costuma tomar café, almoçar e jantar, mesmo que acorde tarde em algum dia, não deixe de tomar o café da manhã – detalha o psicoterapeuta Luiz F. Garcia.
Segundo ele, quando essas etapas são descumpridas, o cérebro começa a parar de emitir a dopamina, que é o hormônio motivacional. Por isso é preciso manter o ritmo de atividades diárias, as quais também incluem atividades físicas, organizadas desde o início do dia e, de preferência, distribuída em conjunto com os familiares que dividem a mesma casa.
Conforme o neurologista Fabiano Moulin, um erro comum neste momento está associado ao excesso de informação. Por mais que seja importante se manter informado, especialmente no mundo dos negócios e no contexto atual, ele sugere que os empresários selecionem período do dia e veículo de notícias específicos para não sobrecarregar o cérebro.
– A informação contínua adoece. A gente precisa se manter informado, mas a gente não precisa saber de todas as notícias a cada momento. A fluência contínua de informações sobrecarrega o cérebro com mais angustia e ansiedade. Isso leva ao maior sofrimento. É superimportante organizar o dia – ressalta o neurologista.
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Ele alerta para as mídias sociais:
– Não fique olhando por olhar durante minutos ou horas porque a sobrecarga de informações, mesmo que neutras, faz o cérebro entendê-las como negativas, aumentando a ansiedade e o desânimo. É comum perder o sono para que o cérebro possa, durante a vigília, trabalhar. Não fique o tempo todo ligado. Tenha momentos para desligar, com pessoas ao lado ou ligações, hobbies e lazer, mesmo que limitados.
Por fim, sugere que se dê mais atenção:
– A atenção talvez seja a habilidade mental mais subestimada da nossa geração. A gente precisa reconhecer a importância de assumir o controle da atenção para poder guiar a nossa vida. Cadê a sua cabeça? Ela está viajando? Pensando em mil problemas à frente? É preciso vir ao presente, tratar de um problema atual passível de resolução, tentar fazer e ter ações concretas diárias e pequenas porque é isso que agrega.
“Dá para enxergar a luz no fim do túnel”, diz empresária
Roberta Almeida administra três empresas e sentiu diretamente os impactos da crise. Por um lado, duas das empresas da moradora de Florianópolis, pertencentes ao ramo de eventos, foram diretamente afetadas com os cancelamentos ou adiamentos no calendário de 2020. Por outro lado, a terceira empresa, um e-commerce focado em produtos românticos, disparou em vendas na internet. Mesmo assim, a empresária conta que não estava preparada para uma mudança tão brusca de realidade. A empresa de maior faturamento era a de eventos e atuava há 10 anos no mercado, já o e-commerce funciona há um ano e meio.
Assim como Roberta, o empresário Guilherme Annoni Martins também tem lidado com a situação da crise. Ele é administrador e sócio de uma empresa do ramo imobiliário em Balneário Camboriú e, desde o dia 10 de março, não recebe os valores pelos alugueis. A empresa dele teve uma redução de praticamente 50% do faturamento. Tanto Guilherme quanto Roberta tiveram de tomar decisões e buscaram ajuda com um especialista.
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Guilherme afirma que, mesmo diante das dificuldades, também conseguiu lidar com as situações com mais tranquilidade. A empresária conta que fez adaptações à rotina, integrou atividades físicas e fez modificações na equipe:
– Dá para enxergar a luz no fim do túnel. Depois de 40 dias engrena e já não é tão difícil. Para mim, foi importante manter a rotina, escrevê-la no papel, manter os exercícios físicos, sono regulado, ser persistente no que tem que ser feito. Tudo isso traz resultado – comenta.
Roberta sugere a quem está passando pela situação que encare os problemas de frente:
– É importante manter as coisas com persistência, paciência, organização e segurança. Manter-se positivo. Manter o financeiro real e considerar o que é possível fazer naquele momento para trazer a equipe à realidade – pontua.