Em cinco dias o número de casos de coronavírus mais do que dobrou em Blumenau. A cidade passou de 86 pacientes infectados na última quinta-feira (23), para 177 na terça-feira (28), um aumento de 105,8%. Em uma equação do cotidiano, soma-se esse índice à falta de utilização de máscaras nas ruas, flagrada pela reportagem, e à sensação de normalidade demonstrada pela lotação de um food park em pleno entorno do Parque Vila Germânica. Mas, em meio a esse contexto, o que justifica tecnicamente o crescimento exponencial nos números?
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Relacionar a aglomeração em shoppings e em volta de carrinhos de food truck com a expansão das ocorrências da Covid-19 em Blumenau é precoce, segundo especialistas. Mesmo assim, médicos infectologistas ouvidos pela reportagem expõem dois motivos relacionados a esses fatos e que explicam a curva em ascensão dos casos no município: a flexibilização e abertura de setores da economia, com a sensação de retorno à “vida normal”, e o aumento da testagem de pacientes suspeitos que apresentam apenas sintomas brandos — como dores no corpo e febre.
A prefeitura de Blumenau confirmou que até a última sexta-feira (24) o número de testes feitos era de 647. Já entre sexta e terça-feira (28), foram 920, um incremento de 42% na testagem.
A mudança no protocolo do Ministério da Saúde, que permitiu não apenas a testagem em pessoas com quadro mais grave de síndromes respiratórios, impacta, também, nas ocorrências. O município ainda justifica que a maioria dos moradores que receberam o diagnóstico do coronavírus são da população jovem e economicamente ativa, o que tem ligação com a reabertura do comércio de rua, em 13 de abril.
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— Podemos dizer que existe uma relação entre a abertura do isolamento e o aumento de casos positivos. Além disso, [há] o fato de estarmos testando mais pessoas — disse o secretário de Saúde, Winnetou Krambeck, ao G1.

"O aumento dos casos está chegando às pessoas debilitadas"
Em Blumenau, até esta quarta-feira (29), não havia mortes confirmadas de moradores e nem mesmo sob suspeita. Na avaliação do infectologista Amaury Mielle Filho, isso não pode justificar a sensação de que vivemos em um universo paralelo em comparação ao país. O médico questiona a falta de um modelo de gestão da crise do coronavírus na saúde e diz que Santa Catarina já teve a situação sob controle no início do período de isolamento social.
— Estamos começando a ver que esse tipo de conduta, com a flexibilização, está fazendo uma curva ascendente de casos. “Ah, mas não morreu ninguém em Blumenau”. Sim, mas isso é questão de tempo. O aumento de casos está chegando às pessoas debilitadas imunologicamente, e aí é que começaremos a contar mortes. E quando isso acontecer, quais serão as atitudes tomadas? Não é algo que poderia ter sido evitado? Não poderíamos ter feito um processo de contenção maior, trabalhando as flexibilizações só quando tivéssemos controle? — questiona Mielle.
Abertura do comércio ocorreu há duas semanas
Blumenau seguiu a tendência de outros municípios de SC após o governo do Estado liberar a atuação do comércio de rua. Na XV de Novembro, a via mais famosa do Centro, lojistas reabriram no último dia 13. Para a infectologista Sabrina Sabino, que atua nos três grandes hospitais (Santa Isabel, Santa Catarina e Santo Antônio), essa flexibilização é a vilã do reflexo do aumento de casos na cidade. A médica aponta que, embora a situação esteja sob controle, o aumento de pacientes infectados vai forçar uma nova discussão sobre endurecimento do isolamento social.
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— Esse aumento de casos no fim de semana é por conta da retomada da economia. Pode ter certeza de que daqui a 10 ou 15 dias esse crescimento será ainda maior. Nós vamos ter que, sim, entrar novamente em quarentena em algum momento. Sendo bem otimista, em duas semanas precisaremos discutir isso. É só a gente pensar como se comportaram outros países. É exatamente o mesmo. “Ah, os casos são leves”. Sim, mas chega o momento em que o sistema [de saúde] não dá conta — ressalta Sabrina.

Debate quanto à volta da quarentena precisa ser retomado
Em meio à discussão sobre os casos que repercutiram em Blumenau nos últimos dias — aglomeração no shopping e lotação de food park —, ambos os infectologistas apontam que em um cenário sem vacina e sem remédio, falar sobre uma nova quarentena será inevitável.
— Estamos [os profissionais de saúde] entrincheirados nos hospitais em uma guerra. Equipando UTIs, comprando EPIs, esperando o inimigo chegar, quando na verdade temos que ir onde o inimigo está, na comunidade. Ele quer contágio, ele quer ser contagioso. Nós estamos agindo como ignorantes, ignorando onde podemos atuar, que é fora dos hospitais e não comprando respiradores — sustenta Amaury Mielle.
A infectologista Sabrina Sabino, a respeito do comportamento dos blumenauense, completa e reforça o questionamento:
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— É uma falta de respeito com o profissional de saúde, pessoas que estão se expondo diariamente. É lamentável, um descaso. O problema do brasileiro como um todo é que ele não entende a gravidade de algo, até que a doença chegue do seu lado.
Vale é a região com mais casos de coronavírus em SC
Blumenau é a segunda cidade de SC com mais casos de Covid-19 e a com mais ocorrências da doença no Vale do Itajaí. A região, inclusive, é a que mais tem pacientes infectados pelo novo coronavírus: 596, o equivalente a 30% do Estado. Grande Florianópolis, com 458 (23%), Sul, com 440 (22%), Oeste, 218 (11%), Norte, 206 (10,3%), Planalto Serrano, 31 (1,5%) e pacientes de outros estados ou países, 46 (2,2%) fecham os números.