Na noite da última sexta-feira, 20 de março, Joinville já vivia os impactos da necessidade de isolamento social e, consequentemente, paralisação de trabalhos e da rotina de milhares de pessoas. As ruas já estavam vazias, mas, dentro de algumas casas da cidade, as ideias fervilhavam para um grupo de joinvilenses que tornou-se essencial para a segurança dos profissionais que atuarão na linha de frente do combate ao Covid-19. Liderados pelo Fab Lab, associação sem fins lucrativos que reúne a comunidade por meio da cultura maker e das novas tecnologias de produção, pessoas de diferentes áreas do conhecimento uniram-se com o objetivo de fabricar 1.000 face shields, equipamentos de proteção que serão utilizados pelos profissionais que realizarão o atendimento aos pacientes com coronavírus.

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– A conversa começou na quinta à noite, com muitos makers contando pelo whatsapp que estavam tentando produzir equipamentos em casa, pensando em como poderiam ajudar os hospitais neste momento. Cada um estava fazendo uma coisa diferente, ainda sem saber o que realmente seria necessário. Foi aí que o Fab Lab entrou, para estruturar essas ofertas de voluntários fazendo contato com a Secretaria de Saúde de Joinville para entender qual era a demanda deles – explica o presidente do Fab Lab, Alan Fachini.

Os face shields – máscaras que protegem o rosto inteiro com uma viseira de acetato – não faziam parte dos equipamentos comumente usados pelos médicos e enfermeiros de Joinville, muito menos por profissionais da área de segurança, como policiais e bombeiros, que também estarão trabalhando no atendimento nas próximas semanas. Por isso, foram a principal necessidade apontada pela prefeitura entre as urgências para a cidade garantir, também, a proteção de suas equipes.

– No momento, temos 80 impressoras 3D em produção, dentro de empresas e de casas de joinvilenses – conta Alan.

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Foi assim que, cerca de 100 horas depois das conversas de sexta à noite, esta grande equipe foi capaz de concluir 500 face shields para começar a entregá-las à Secretaria de Saúde, à Polícia Militar, aos Bombeiros Voluntários e ao Samu. As primeiras chegaram ainda na noite de segunda-feira para os hospitais, garantindo a urgência com que estes lugares precisavam dos materiais.

Com a demanda de Joinville atendida, eles começam a produção para atender os hospitais e entidades de outras cidades da região. Um manual ensinando outros profissionais de outras regiões do Estado e do país a produzirem e embalar as máscaras de forma segura também foi redigido neste período.

Momento histórico e cidade industrial são fundamentais

É fato que, em qualquer momento da história não muito distante do atual, uma pandemia como o coronavírus poderia ter efeitos ainda mais devastadores. Com a tecnologia garantindo uma comunicação mais ágil, as notícias e orientações sobre a doença tem chegado a todas as pessoas para que conheçam as formas de prevenção e a importância do isolamento. Mas ela também é peça-chave nesta ação de voluntariado: com as ferramentas de código aberto, os makers do Brasil tiveram acesso rapidamente às formas de produção corretas desde equipamentos, que já estavam sendo produzidos na China e na Europa.

– Como a epidemia começou em outros países, onde o sistema de saúde destes países colapsou. Nestes lugares, o pessoal começou a fazer pesquisas de desenvolvimento desses EPIs e de ventilador pulmonar em fevereiro. A gente não criou nada do zero – fala Alan, explicando que estas pesquisas foram disponibilizadas na internet e, com isso, grupos de universidades brasileiras tiveram acesso mais fácil aos projetos.

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A possibilidade de utilizar as impressoras 3D também são facilitadoras do projeto. Em algumas empresas, como a de Bruno Vilas Boas, não é nem mesmo necessário sair de casa ou encontrar os outros voluntários: ele envia o comando por computador para a impressora que está na empresa, que faz as impressões de uma das peças do face shield, e um voluntário do Fab Lab passa no local para recolher quando estas ficam prontas.

Máscaras que protegem o rosto inteiro com uma viseira de acetato
Máscaras que protegem o rosto inteiro com uma viseira de acetato (Foto: divulgação)

– O projeto veio no momento em que pausamos a produção da empresa e dispensamos os funcionários para que ficassem em casa. Entramos para ajudar no início sem nem saber ainda o que precisaríamos produzir – conta Bruno.

O mesmo ocorreu com os sócios Leonardo Dutra, Thiago Aguiar e Iumar Benvenutti. Donos de uma empresa que oferece serviços de corte a laser e estava focada, atualmente, em produção de troféus, eles viram as demandas extinguirem com o cancelamento dos campeonatos. A produção para ajudar nos atendimentos durante a pandemia é uma forma, também, de manter o trio em produção, mesmo que não exista remuneração ao fim das entregas.

– Ficamos sabendo do trabalho porque a minha esposa trabalha no Hospital São José e entrou no grupo de discussões para colaborar com as ideias do que o Fab Lab poderia produzir. E os cortes das folhas de acetato da viseira eram uma questão para a qual eles ainda não tinham encontrado solução – conta Leonardo.

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Mesmo sem saber ainda quando a produção da empresa poderá ser retomada, eles têm preenchido os dias de isolamento social com alívio e entusiasmo por alcançarem tão rapidamente os objetivos.

– Fomos escoteiros, é natural para a gente querer ajudar a comunidade. Então, estamos muito gratos por poder participar desta ação em um momento em que, do contrário, ficaríamos parados em casa – analisa Thiago.

Como funciona e como ajudar

O face shield é feito por três elementos: um deles, o suporte da viseira, é o único que precisa ser fabricado, trabalho que está sendo realizado pelas impressoras 3D. As outras partes são as folhas de acetato e o elástico – este último é igual ao de peças comuns usadas em confecções. Tudo o que está sendo utilizado foi doado por pessoas e empresas.

Com a produção de face shields acabando, o grupo tem um plano mais ambicioso: os pacientes em estado grave precisarão de respiradores automáticos. Os voluntários já sabem como desenvolvê-los em um modelo de baixo custo e, no momento, estão em fase de testes. Quando concluída esta etapa, poderão ser construídos para doação aos hospitais. Para isso, o grupo está arrecadando doações que podem ser em recursos financeiros ou em filamentos para impressoras 3D. Para ajudar, acesse a página da Fab Lab de Joinville.

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