Quando se mudou para Blumenau, Paulo Vinicius Andrade Antunes, o Vinny, constatou que teria uma missão muito maior do que imaginava ao chegar na cidade. O olhar atento e sensível do coreógrafo do Rio de Janeiro se voltou aos locais de dança depois de perceber que havia algo errado. Afinal, por qual motivo ele não conseguia encontrar pessoas pretas neste movimento por aqui?
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O questionamento que atormentava o jovem o impulsionou a ir em busca de uma resposta e, ao entender do que se tratava, ele viu que não poderia ficar de braços cruzados. Vinny teria de fazer algo para mudar o cenário que tanto o intrigava na cidade, já que, assim como ele, outros também mereciam a oportunidade de se conectar com a arte.
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A reflexão apareceu em 2016, quando o coreógrafo que já dançava há mais de 15 anos pisou em Blumenau pela primeira vez. À época, o carioca se espantou ao notar que nem mesmo a dança urbana — considerada berço da cultura preta — chegava à população negra no município.
Depois de analisar como funcionava esse meio em Blumenau, Vinny concluiu que não se tratava de uma arte acessível a todos, especialmente para os pretos. Foi a partir disso, então, que ele resolveu criar um projeto social para acolher essas pessoas, já que entendia que, muitas delas, só não faziam dança porque os grupos ficavam em locais distantes ou cobravam um valor acima do esperado.
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Dessa forma, Vinny propôs que esse público se reunisse em um só lugar para que todos pudessem enfim se expressar, além de abrir novas portas para pessoas que consideravam a dança um interesse inalcançável.
E foi assim, em 2022, que nasceu o NWA Dance Crew.
— É uma forma de mostrar que a gente está aí no mundo, que a gente tem arte, e que a dança não precisa ser nichada para um certo público — explica.
Muito mais do que dança: uma forma de se expressar para o mundo
Sem cobrar valor algum, Vinny se mobilizou para criar aquilo que é, hoje, nas palavras dele, um “grupo de acolhimento que dança”. As aulas ocorrem às quintas em um espaço fornecido por outra escola de dança — também de forma gratuita. Por esse motivo, as vagas são limitadas, conforme a capacidade da sala.
Aos 30 anos, o coreógrafo conta que o sonho de dar início ao NWA surgiu logo que ele chegou a Blumenau. Apaixonado por esse universo desde criança, Vinny explica que só conseguiu ter acesso a arte porque ganhou uma bolsa integral para estudar dança no Rio de Janeiro, aos 13.
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Por lá, ele passou a ministrar aulas e workshops, além de ter sido premiado em um festival na categoria de “Melhor coreografia”. Na bagagem, ele ainda carrega experiências no balé, jazz, sapateado e dança de rua, já que atuava como coreógrafo e bailarino enquanto vivia no sudeste.
A mudança para Blumenau, há oito anos, se deu por questões financeiras, onde Vinny viu uma oportunidade de recomeçar na cidade catarinense.
Veja vídeo de uma das apresentações do NWA
— E aí foi aqui que eu dancei pela primeira vez em Joinville e no Festival Internacional de Hip Hop, por exemplo. A gente tem que lembrar que dançar não é barato. Então, em escolas suburbanas é mais difícil ainda de realizar esses sonhos. Depois que eu cheguei em Blumenau consegui conquistar algumas coisas na dança que eu achei que seriam bem mais difíceis — ressalta.
Seis anos após a chegada a Blumenau, o coreógrafo pôde, enfim, criar o projeto social que tanto queria colocar em prática. O nome escolhido — NWA — é em referência a uma palavra em Igbo, um dos dialetos falados na África, e que significa “preto”, ainda de acordo com Vinny.
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Desde então, o jovem passou a semear esperança e coragem na vida daqueles que cruzaram o caminho dele. Através do grupo, Vinny consegue levar para os palcos pessoas que nunca tiveram condições de dançar e se expressar publicamente. Assim, o NWA se tornou um espaço para realizar sonhos de crianças que jamais se imaginaram nesse lugar enquanto adultos, mas que, hoje, têm a oportunidade de mostrar e aprender mais sobre si por meio da arte.
Confira fotos do grupo
— Tem gente no nosso grupo, por exemplo, que nunca entrou no Teatro Carlos Gomes. Eu escuto muitas histórias de quem nunca teve a chance de dançar, pisar em um palco. Só que o grupo não é só sobre pessoas que não podem pagar. O objetivo é dar oportunidade, mesmo. Porque, como somos todos pretos, a gente carrega bagagens e dores que só nós entendemos. Só quem é negro em Blumenau sabe. Então é através da dança que a gente consegue se expressar, mostrar para o mundo o que sentimos e o que a gente é — reforça o coreógrafo.
“Quero ir onde a dança não chega”
No início, quando abriu a sala para os primeiros ensaios, Vinny dava aulas para seis pessoas que ouviram falar do projeto de “boca em boca”. Hoje, o espaço localizado na Rua Almirante Tamandaré, bairro Vila Nova, próximo ao batalhão da Polícia Militar, recebe 22 dançarinos semanalmente, sempre às quintas à noite.
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O local, porém, vem ficando pequeno para tanta gente. Por isso, o que surgiu como uma ideia de honrar as próprias raízes e ajudar o próximo, precisa, agora, ultrapassar as paredes de uma construção para alcançar ainda mais pessoas que queiram fazer parte dessa família.

— Eu queria ir para lugares onde a dança não chega. Algum bairro mais afastado. O meu sonho é expandir o projeto para mais turmas, atingindo mais pessoas. Porque eu acho que o que a gente precisa é se mostrar, mesmo. Dizer que a dança não precisa ser tão branca e elitizada quanto ela é. Mas para isso eu precisaria de algum apoio, porque não é fácil sozinho — desabafa.
Atualmente, o grupo conta com participantes entre 16 e 35 anos. Para o ano que vem, o carioca almeja abrir mais uma turma Júnior para que o projeto também chegue até crianças de 8 a 12 anos de idade. Para realizar esse sonho, no entanto, ele precisaria, primeiro, de um espaço maior para os ensaios, o que não é viável no momento.
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Sem condições de bancar um aluguel, Vinny anseia pela iniciativa de outras pessoas que também queiram abraçar essa causa. Para ele, o importante, agora, é mostrar que o NWA existe. Que o projeto está de portas abertas para acolher e ouvir o que os negros tem a dizer, além de lutar por transformações na sociedade.
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— O NWA hoje, para mim, é resistência, afirmação da existência preta. É pertencimento, sabe? Durante muito tempo, a arte foi tomada dos pretos, onde os brancos assumiram como algo só deles. E o que esse grupo mostra é que a dança é para todo mundo, mesmo sem ter condições financeiras. A minha intenção é dar oportunidade para quem quer entrar nesse mundo, sem precisar deixar de ser quem é — finaliza o coreógrafo.

*Sob supervisão de Augusto Ittner
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