O crescente controle do governo Cristina Kirchner na vida dos argentinos encontrou o foco que, reza o dito popular, mais dói neste mundo mercantilista: o bolso de cada um.
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Tal cerco tem se dado de diferentes maneiras, para manter a presa acuada. Ora são restrições na compra de dólares ou no uso do cartão de crédito, ora no simples gesto de fazer o rancho.
Algo como um “gran hermano” acompanha os argentinos nas mais comezinhas movimentações financeiras. No início de agosto, Cristina intensificou a restrição à compra de dólares. Não basta mais apresentar uma passagem aérea, procedimento que já era visto como intervencionista no manuseio das finanças pessoais. A Administração Federal de Ingressos Públicos (Afip) publicou medida segundo a qual os turistas argentinos poderão comprar somente a moeda do país de destino.
O processo faz parte de uma tentativa de conter o ímpeto dos argentinos de proteger suas finanças em aplicações que as resguardem e que possam causas evasão de divisas.
O motivo, segundo o psicólogo argentino Marcelo Hernández, é a insegurança em relação ao peso. Desde 2011, o governo tenta combater o costume de comprar dólares para guardar, já que a moeda americana é vista como mais confiável do que a argentina – nas palavras de Hernández, “é a proteção que se busca contra uma relação traumática que os argentinos têm com o peso”. Claro, tal controle leva, naturalmente, o controlado a procurar brechas para escapar. O mercado paralelo de dólar, o “blue”, funciona a todo o vapor pelos recantos nem tão escondidos da Calle Florida.
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E não é só: outra determinação inspira o que pode ser chamado de “jeitinho argentino”.
ZH esteve em dois mercados e constatou: contra a medida do governo que obriga as empresas a registrar os dados de quem gasta mais de mil pesos, os donos dos estabelecimentos fazem o seguinte: imbuídos da determinação de não afugentar a freguesia, dividem o recibo de um único consumidor. Assim, o rancho tem o vinho tinto em uma nota e o filé em outra. A alface separada do tomate, apesar de irem para a mesma salada. Grosso modo, 500 pesos para cá e 500 pesos para lá. E o comprador não expõe sua vida por tão pouco.
Mil pesos equivalem a R$ 450 – gasto, enfim, não tão incomum para o rancho semanal.
– Se eu não faço isso, perco a clientela – disse o vendedor, enquanto colocava o vinho Norton no pacote do freguês.
A regulamentação foi criada no governo de Carlos Menem (1989-1999). O valor tem variado. Mas a inflação tem corroído o peso, e o controle de Cristina se tornou um estorvo corriqueiro.
Entidades empresariais têm pedido insistentemente que o governo pelo menos suba bastante o limite do valor, para evitar que os consumidores continuem se vendo obrigados ao constrangimento de registrar seus dados pessoais à Afip – que, com eles, faz os devidos cruzamentos para saber se o sujeito está gastando de acordo com seus rendimentos.
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No âmbito público, a Afip publicou resolução segundo a qual empresas de serviços estatais devem informar mensalmente seus agentes sobre os clientes que gastam mais de mil pesos também em telefonia fixa, celulares, energia elétrica, gás e água.
Outra medida nova, anunciada na semana passada, vai no mesmo sentido: o governo controlará as compras com cartão de crédito que os argentinos realizem no Exterior. O objetivo da Afip é verificar se os gastos declarados na alfândega, no retorno, ultrapassam o teto de US$ 300 (ou US$ 150 na região do Mercosul). A Afip vai cruzar os valores fornecidos pelo turista na declaração da alfândega com a fatura dos cartões de crédito. Assim, o governo terá, também, informações sobre gastos de argentinos no Exterior.