O parecer sobre as contas do governo de Raimundo Colombo (PSD) em 2014 foi apresentado à Comissão de Finanças e Tributação da Assembleia Legislativa (Alesc) nesta quarta-feira, 864 dias depois do documento ter entrado na Casa. Na reunião, houve pedido de vista e os deputados adiaram em mais 15 dias a análise da prestação de contas. Julgamento político-administrativo da gestão orçamentária e financeira, a demora para avaliar e votar os pareceres do Tribunal de Contas do Estado (TCE) encontra respaldo em uma brecha no regimento interno e tem se tornado prática comum no Legislativo de Santa Catarina. As contas de 2015 também estão na fila desde que foram protocoladas, há mais de um ano, e as de 2016 não devem ser analisadas antes do primeiro semestre de 2018.

Continua depois da publicidade

Relator das contas de 2014 na comissão, o deputado José Milton Scheffer (PP) aponta que a complexidade do processo justifica os seis meses que a matéria está com ele, desde que foi designado relator, em abril deste ano. Após analisar as 1.206 páginas do relatório, o parlamentar diz que a tendência é seguir a orientação do tribunal, que indicou a aprovação das contas com algumas ressalvas, recomendações e determinações.

— Tem se constituído um grande aprendizado e desafio (relatar as contas). O que temos é um resumo técnico, apurado pelo TCE, mas muitas vezes temos que voltar às secretarias, ao tribunal, para dirimir dúvidas. É talvez o processo mais importante da Alesc. Aqui passaram todas as ações da gestão de 2014, desde o paciente no hospital público até uma ponte construída. Além de seguir várias leis, entre elas a de Responsabilidades Fiscal, fazemos também uma leitura política da aplicação dos recursos, prioridade, orçamento, o que a comunidade está precisando, o que foi planejado e executado. Então foi feito todo um comparativo técnico do levantamento de dados do TCE, que é a nossa grande referência — argumenta Scheffer.

Sem prazo para definir relator

A apreciação das contas no TCE e na Alesc obedecem a vários prazos, mas é justamente a ausência de um deles que permite essa lentidão na votação. O relator da matéria na Comissão de Finanças, após ser designado pelo presidente, tem até 16 reuniões ordinárias para apresentar parecer sobre a prestação de contas, de forma consolidada. Porém, não há um período limitado para que esse relator seja definido, gerando a brecha para o atraso quando essa peça fundamental ao processo não é escolhida rapidamente.

Continua depois da publicidade

À frente da comissão na assembleia catarinense, o deputado Marcos Vieira (PSDB) também afirma que o motivo da demora é o tamanho da demanda, citando ainda a crise econômica como agravante:

— Demora por conta do volume de papel, sobretudo. O orçamento é bilionário, inclui dívidas, poderes e duodécimo. Cada secretaria tem centenas de itens orçamentários. E a economia dificulta. Faz uma estimativa e pode não se concretizar, e geralmente não se concretiza. Quanto mais recessão, mais fiscalização — declara.

As contas de 2015 também têm relatoria de José Milton Scheffer e devem ser levadas à Comissão até o fim de outubro. Isso porque os trabalhos de análise ocorreram de forma paralela à avaliação dos relatórios de 2014 e estão agora na reta final. Já o parecer de 2016 ainda não tem relator e o processo deve ser concluído apenas no ano que vem.

Em assembleias vizinhas, a situação não é muito diferente. No Rio Grande do Sul, as contas mais recentes votadas foram as de 2014, sendo aprovadas pela Comissão de Finanças no início de outubro deste ano e com previsão de irem a plenário até o fim do mês. No Paraná, as últimas prestações aprovadas foram as de 2011, 2012 e 2013, em dezembro de 2015.

Continua depois da publicidade

Relatório de 2011 foi arquivado

As contas de 2011 do governo do Estado também não foram votadas ainda, mas neste caso foi um erro da assembleia que provocou o atraso. O ofício encaminhado pelo TCE recebeu parecer favorável na Comissão de Finanças e Tributação da Alesc em 18 de dezembro de 2013 e o parecer foi lido em plenário no dia seguinte. Um erro da assessoria técnica da Casa, porém, levou ao arquivamento do texto, em vez da votação como Projeto de Decreto Legislativo.

A Diretoria de Comunicação da Alesc informou, por nota, que após identificar o erro a assessoria fez o desarquivamento. Atualmente, o parecer está na coordenadoria de expediente aguardando a autorização para ser votado em plenário.

“Demora demonstra descaso”, diz especialista

O relatório que acompanha o parecer do TCE e que embasa a apreciação das contas na Alesc traz informações sobre a observância às normas constitucionais, legais e regulamentares na execução dos orçamentos públicos, o cumprimento dos programas previstos na Lei Orçamentária Anual e o reflexo da administração financeira e orçamentária estadual no desenvolvimento econômico e social.

Para o doutor em Administração pela Universidade Federal da Bahia (UFBA) e professor do Centro de Ciências da Administração e Socioeconômicas da Udesc, Arlindo Carvalho Rocha, a demora em fiscalizar esses dados tão relevantes para a gestão orçamentária do Estado demonstra o descaso dos parlamentares.

Continua depois da publicidade

— Isso representa, primeiro, a importância que o Legislativo dá às contas, que é absolutamente nenhuma. Segundo, mostra a distorção, a ineficiência e o quanto é corrompido nosso sistema político — pondera.

O especialista acrescenta que, quando não há fiscalização, é como se o governo recebesse uma carta branca:

— Quem perde com isso é o cidadão e a democracia. Os parlamentares se esquecem do seu papel de representantes do povo, da sociedade e acabam não cumprindo suas obrigações constitucionais, cívicas e morais de apreciar as contas. De discutir elas de forma ampla, isenta e transparente.