A Argentina virou referência no criação de uma arquitetura vinícola de espetáculo. A tendência segue prática comum na Europa, onde produtores contratam arquitetos renomados para projetar fábricas e centros de visitação e degustação nas regiões vinícolas.

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Um dos responsáveis pela atualização deste tipo de estabelecimento no país vizinho é o escritório Bórmida y Yanzón, localizado no berço da vitivinicultura argentina, em Mendoza. Só nas duas últimas décadas, a equipe renovou mais de 30 vinícolas, muitas delas difundidas mundialmente e premiadas.

Uma dos projetos mais arrojados é o da O. Fournier, dos arquitetos e sócios Eliana Bórmida e Mario Yanzón. Em meio à paisagem inóspita emoldurada pela cordilheira dos Andes, sua arquitetura destaca-se pela gigantesca cobertura quadrada de aço com laterais de 50 metros.

– À sombra deste guarda-sol, controla-se a produção de vinho e o trabalho agrícola, enquanto se aprecia a vista. Foi um projeto muito inovador. Este teto é um ícone! – diz Eliana.

Seu projeto valoriza a paisagem por meio de uma construção de impacto e coerente, em sintonia com o processo de produção do vinho.

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– As vinícolas são a arquitetura da paisagem. As concebemos como parte dela, para uma contemplação deste contexto – finaliza.

Profissional vem ao Estado para evento inédito na Serra

Na próxima quarta-feira, no dia 24 de outubro, Eliana Bórmida virá pela primeira vez ao Estado para uma uma programação inédita em Bento Gonçalves,na serra gaúcha. A profissional irá contar sobre sua experiência nos projetos das vinícolas argentinas no evento batizado de Arquitetura, História e Sabores, promovido pela Associação de Arquitetos de Interiores do Brasil/RS. O passeio tem saída de Porto Alegre.

O roteiro, com duração de um dia, pretende unir a história do acervo arquitetônico rural da imigração italiana e a arquitetura das bodegas argentinas com a gastronomia da cidade. Para isso, além de visitar os principais pontos do roteiro Caminhos de Pedras, os participantes terão a oportunidade de conversar com a premiada arquiteta.

As vagas são limitadas. Informações e reservas pelo telefone (51) 3228-8519 ou secretaria@aaibrasilrs.com.br.

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Leia abaixo, na íntegra, a entrevista concedida pela arquiteta Eliana Bórmida sobre este e outros projetos de vinícolas na região argentina de Mendoza.

Qual foi o conceito utilizado neste projeto da vinícola O. Fournier?

A pedido do cliente, nosso conceito principal foi uma vinícola do século 21, inédita, que representasse os vinhos do Novo Mundo. Isso tudo nos levou a buscar inovação e uma imagem icônica.

Onde foi utilizado aço e por quê?

O aço é um material fundamental na indústria e tem um caráter forte, ousada e expressivo. Sempre o usamos muito e nos agrada associá-lo ao concreto pesado e aos vidros escuros, que controlam a passagem do intenso brilho da luz do sol nos espaços interiores.

Na O. Fournier, desenvolvemos em aço uma espécie de guarda-sol gigante quadrado sobre o terreno que recebe a uva. Está apoiado por quatro cilindros de concreto e tem amplas arestas. Esta cobertura é um ícone. Além disso, entre os quatro pulares e debaixo deste teto, sustentamos pontes altas com perfil de aço e vidro, totalmente transparentes, onde se encontram o laboratório e os espaços do enólogo. A partir destas áreas, à sombra do grande guarda-sol, se pode controlar os trabalhos de enologia e agrícolas, enquanto se disfruta de vistas panorâmicas dos vinhedos.

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Também desenhamos em aço um óculo estrutural interessante com com forma radial que deixa entrar a luz sola no centro da nave de fermentação. Como o aproveitamento da luz natural no interior é importante, nossas escadas e elevadores estão totalmente resolvidos com esqueletos e malha de aço, trazendo luz a dois níveis subterrâneos. No porão, para a passagem de visitantes, nós fizemos passarelas compridas e esbeltas com tubos de aço, suspensas graciosamente em cima dos barris. E no restaurante desenhemos uma caixa com uma geometria com perfis de aço, que sustentam a coberta leve do mesmo material.

Nós também usamos aço em várias formas, como perfis, malhas, placas lisas, estampadas, perfuradas e dobradas para detalhes de construção, carpintaria e mobiliário.

O que foi eleito como prioridade nos projetos das vinícolas?

Nossas vinícolas são arquitetura da paisagem. As concebemos como parte dela, para ser contempladas dentro deste contexto e também desenhamos pátios e terraços, galerias, pergolados, coberturas e aberturas nos muros para observar desde ali o melhor espaço circundante.

Esta valorização da paisagem na arquitetura do vinho se deve a que o vinho é elaborado com frutos da terra e suas principais características lhe são conferidas pela natureza do lugar. Temos que mostrar isso aqueles que visitam as vinhas e as vinícolas, porque reforça sua identidade.

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Nossas vinícolas em Mendoza exaltam as vastas planícies dos oásis vinheiros, o deserto nativo irrigado, as altas montanhas dos Andes. Em outras regiões são outros os atributos a valorizar, mas acreditamos que sempre é muito importante relacionar as vinícolas com sua paisagem, porque estas associações oferecem experiências inesquecíveis aos que as visitam. Nas vinícolas aplicamos o conceito de sustentabilidade, que também está relacionado com o respeito ao lugar onde se encontra a obra.

É muito conveniente partir da compreensão de seu clima e de seus fenômenos naturais para escolher as formas arquitetônicas, os tipos de espaços e a materialidade dos projetos.

Existe algum estilo arquitetônico específico aplicado nestas construções?

Não tem um estilo, mas há sim critérios básicos e um marco conceitual geral a partir do qual se resolvem os distintos projetos com bastante liberdade. Os projetos devem ser diferenciados porque representam distintas marcas empresariais e a arquitetura é parte fundamental da imagem de cada uma delas. As vinícolas são mediáticas e, além disso, visitadas. Todas devem buscar traços ou linhas próprias e oferecer experiências originais, tratando de não perder a lógica e o bom sentido.

Nós nos inspiramos nas visões e nas expectativas particulares que nos dão cada empresa e nas oportunidade que nos oferecem o lugar onde estará cada obra. Outro fator importante e básico é o recorrido que devemos imaginar para os visitantes, passando pelos vinhedos, a parte da produção e os espaços de sociabilidade. Como se vê, não falo de estilo, se não de princípios que regem os projetos.

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Sobre os espaços de produção específicos, ou seja, onde se elabora o vinho, há muitas condições dadas pelos processos funcionais, o equipamento enológico e a maquinaria, que faz com que haja muita similaridade entre os projetos.

Qual foi o maior desafio no desenho e na execução da vinícola O. Fournier?

Um grande desafio foi que a vinícola devia ser construída em etapas e que a imagem vanguardista devia se conseguir desde o início, no edifício de fermentação, que é o corpo fechado que contém os quatro tanques de vinho e que costuma ser o menos interessante. Então surgiu a ideia de criar um grande terraço de recepção da uva sobre os tanques, ou seja, na cobertura deste edifício, formando um pátio e também mirador sombreado com o grande guarda-sol de aço.

O desenho estrutural e a montagem da obra deste enorme guarda-sol de 50 metros por 50 metros, apoiado em apenas quatro ponto, também foi um desafio que compartilhamos com o engenheiro de cálculo, Juan Camps, e com os construtores da empresa de Santiago Monteverdi.