Criticada pelo perfil superficial e corporativista desenhado até o momento, a reforma política retorna à pauta da Câmara. A partir desta terça-feira, os deputados se preparam para votar em segundo turno as mudanças que, na ideia vendida pelo presidente Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deveriam aperfeiçoar a democracia brasileira.

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Apreciada em uma proposta de emenda à Constituição (PEC), a reforma tem resultado incerto. Após passar por duas votações na Câmara, ainda terá de ser aprovada em mais dois turnos no Senado, o que só deve ocorrer a partir de agosto.

Definida pela presidente Dilma Rousseff como a “mãe de todas as reformas”, discutida há duas décadas, a reforma política ficou em segundo plano para um governo dedicado ao ajuste fiscal. A Câmara, por sua vez, conduz um processo mais preocupado com o futuro dos parlamentares. No primeiro turno, eles aprovaram ampliar os próprios mandatos, reduzir a idade mínima para concorrer e criar uma janela para troca de partido sem risco de cassação.

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– Esta reforma mexe em pontos cosméticos, não altera a forma de escolher os eleitos e de financiar as campanhas, os verdadeiros problemas do sistema – critica o deputado Henrique Fontana (PT-RS), que já relatou uma alternativa de reforma política engavetada em 2013.

Na prática, há poucas novidades para o eleitor. Uma delas é o fim da reeleição para prefeitos, governadores e presidente da República. Outra é o voto impresso. Depois das escolhas na urna eletrônica, sairá um resumo do voto, conferido pelo cidadão.

Já a forma para eleger deputados e vereadores segue a mesma, no sistema proporcional, financiado com doações de empresas para partidos, que chegarão aos candidatos. Líder do PMDB, Leonardo Picciani (RJ) admite que a atual reforma é “tímida”, mas destaca que, ao menos, o assunto está em votação.

– Todo mundo fazia discurso de que a reforma era necessária, mas na hora de votar, a maioria preferiu manter tudo como está. Não mudar também é uma decisão. Perdeu-se uma oportunidade – lamenta Picciani.

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ARTICULAÇÃO FEITA EM PROVEITO PRÓPRIO

Como em outras tentativas, a dificuldade de se fechar acordos atrapalha a votação que nasceu conturbada, quando Cunha ignorou o relatório de uma comissão especial que discutiu a revisão no sistema. Ciente de que as discussões sepultariam a reforma outra vez, o presidente atropelou e pôs para votar um texto do seu interesse.

– O debate ficou esvaziado, e as decisões do que seria votado foram açodadas, mal explicadas. Na dúvida, os deputados mantêm tudo como está, ficam na zona de conforto – diz Afonso Hamm (PP-RS), que integrou a comissão ignorada.

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A manobra de Cunha pretendia assegurar a aprovação do financiamento privado de campanhas e do distritão, modelo em que seriam eleitos para deputado os candidatos mais votados em cada Estado, o que não ocorreu.

– Evitamos o pior com a derrota do distritão. Mas, permanecendo o sistema atual, o mínimo teria sido aprovar a fim das coligações proporcionais, que poderia fortalecer os partidos – afirma o deputado Afonso Motta (PDT-RS), que também esteve na comissão.

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O desejo do parlamentar foi suplantado pela articulação dos nanicos. Preocupadas com sua extinção, as siglas pequenas condicionaram apoio ao PT e PMDB em outras votações em troca da manutenção das coligações e de uma cláusula de desempenho branda. Pelo novo texto, para ter acesso ao fundo partidário e ao tempo de TV, basta que um partido concorra com candidatos próprios e eleja um parlamentar. A restrição mais dura poderia inviabilizar os partidos de aluguel.

– Os partidos se acostumaram a viver do Estado, mas deveriam viver de suas receitas, sem o fundo partidário. Toda reforma passa pela classe política, que não vota propostas contrárias aos seus interesses – comenta o cientista político Leôncio Martins Rodrigues Netto, professor titular aposentado da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

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