O Conselho Nacional de Direitos Humanos publicou nesta segunda-feira (3) uma recomendação ao Ministério da Saúde para que a pasta reveja a decisão de abolir de normas e políticas públicas o termo "violência obstétrica".

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Nos últimos anos, o termo tem sido utilizado para definir casos de violência física ou psicológica praticados contra gestantes na hora do parto – problema que já foi abordado no passado em campanhas divulgadas pelo próprio ministério.

Em 2017, por exemplo, texto do ministério definia a violência obstétrica como aquela que ocorre na gestação ou parto, podendo ser "física, psicológica, verbal, simbólica e/ou sexual, além de negligência, discriminação e/ou condutas excessivas ou desnecessárias ou desaconselhadas, muitas vezes prejudiciais e sem embasamento em evidências científicas".

A mudança de posicionamento ocorreu por meio de despacho publicado no último mês, o que gerou reação de especialistas e grupos de defesa das mulheres.

No documento, o ministério diz avaliar que a expressão violência obstétrica "tem conotação inadequada, não agrega valor e prejudica a busca do cuidado humanizado no continuum gestação-parto-puerpério". A justificativa, informa, estaria na definição do termo violência pela Organização Mundial de Saúde, que "associa claramente a intencionalidade com a realização do ato, independentemente do resultado produzido."

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"Percebe-se, desta forma, a impropriedade da expressão 'violência obstétrica' no atendimento à mulher, pois acredita-se que tanto o profissional de saúde quanto os de outras áreas não têm a intencionalidade de prejudicar ou causar dano", informa a pasta.

Para o Conselho Nacional de Direitos Humanos, no entanto, a medida representa "um retrocesso nas políticas públicas de saúde da mulher e saúde materna".

A recomendação foi publicada nesta segunda no Diário Oficial da União. No documento, o órgão argumenta ainda que, "embora não haja tipificação específica na legislação brasileira, o termo é amplamente utilizado no âmbito acadêmico, jurídico, social e institucional, justamente para dar visibilidade a tais práticas."

"Ademais, trata-se de práticas associadas ao risco de complicações, práticas dolorosas e cujo uso é considerado desnecessário", completa.

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Entre os exemplos mais comuns de violência obstétrica, estão restringir o direito da gestante ao acompanhante e ao alívio da dor, impedir que mulher se movimente, beba água ou coma alimentos leves durante o trabalho de parto e realizar episiotomia (corte feito entre a região do ânus e da vagina durante o parto normal) quando não há indicação. Entram na lista também ameaças, piadas ou frases desrespeitosas como "na hora de fazer não reclamou".

Para o conselho, a decisão do ministério em vetar o termo pode dificultar a apuração devida dos casos. Outro lado Questionado, o Ministério da Saúde disse avaliar internamente a recomendação do conselho. Em nota divulgada nesta segunda, a pasta diz manter políticas públicas em consonância com documento da Organização Mundial de Saúde publicado em 2014, o qual define que "abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto não apenas violam os direitos das mulheres ao cuidado respeitoso, mas também ameaçam o direito à vida, à saúde, à integridade física e à não-discriminação".

Como exemplos, cita a Rede Cegonha e a Política Nacional de Atenção Integrada à Saúde da Mulher. "Por essa razão, a humanização e a qualidade da atenção no SUS implicam na promoção, reconhecimento, e respeito aos direitos humanos das mulheres", afirma.

Nos últimos dias, o veto ao termo violência obstétrica tem sido alvo de debates entre especialistas

Para representantes de grupos em defesa das mulheres, o veto ao termo representa uma tentativa do governo de negar a existência do problema. Já alguns médicos defendem que, embora haja necessidade de reconhecer que há problemas de assistência, a adoção de outro termo seria apenas para deixar de vinculá-los à atuação dos obstetras.

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