Quando o mensageiro bateu na porta do apartamento e disse que, por ordem do governador, o hotel iria fechar as portas ao meio dia da sexta-feira, senti que a coisa era tão ou mais séria do que os catastróficos noticiários de tevê anunciavam. Depois de décadas acompanhando os momentos relevantes da história de Santa Catarina e do Brasil, confesso que num primeiro momento me senti pouco confortável na condição de protagonista.
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Estava em missão de trabalho na Flórida, acompanhando o presidente da Embratur, Vinicius Lummertz. Desde terça-feira as notícias sobre a iminente chegada do Irma indicavam que além das preocupações com a agenda, teríamos que reprogramar o retorno.
O governador Brown, com um “zero sorriso” que a gravidade da situação exigia, ordenou a evacuação via tevê. Lição: os norte-americanos respeitam e confiam nas autoridades. Todos sabiam o que fazer. Na quarta-feira, ao voltarmos de Fort Lauderdale, mais ao norte, presenciamos um engarrafamento monstruoso. Sim, o povo estava fugindo. Sem pânico, levando o máximo que podiam, milhões de pessoas deixavam suas casas, suas empresas.
Na mesma noite, na área turística de Bayside, uma banda tocava um animado blues e havia pessoas dançando. Mas era o último baile. A quinta-feira amanheceu mais abafada ainda, praticamente sem vento. Os anos de praia me diziam que quando fica muito assim, vem vento forte. Nas ruas, cada vez menos gente e carros. Esvaziaram a piscina do hotel e começaram a entrar em ação os “homens que pregam tábuas”.
Nos hotéis vizinhos já se colocavam sacos de areia, distribuídos em postos da defesa civil. Notava-se uma presença cada vez mais forte de policiais, agentes do governo e dos serviços sociais da cidade, encaminhando pessoas para abrigos. O bom restaurante cubano da véspera já estava fechado, como de resto, todos os outros, assim como o palco do show da véspera estava desmontado. Nas ruas desertas so se ouvia o barulho das furadeiras e dos martelos.
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Se no Brasil usam o “vai com Deus, que você e sua família fiquem bem”, os americanos são mais diretos. O “stay safe” virou um mantra. Da jovem com sotaque gaúcho que foi buscar quatro pares de tênis num outlet ao atendente da conveniência que me ajudou a empacotar a ultima refeição, todos mandavam um “stay safe”.
Na quinta à noite a sempre frenética Miami parecia uma cidade fantasma. Estranha sensação. No aeroporto, a constatação de que mesmo quando impera a perfeição e o profissionalismo, ocorrem falhas. Exatamente a tripulação do meu vôo não apareceu e não havia mais lugar nas demais aeronaves. Depois de um simpático “stay safe” (fique seguro), a supervisora disse que a próxima opção era na quarta-feira.
Conseguiram uma passagem de Orlando direto pra o Brasil. Carros para alugar e vencer os 400 quilômetros? Não havia. Assento livre nos ônibus? Nem pensar. Outra lição: mesmo que você não tenha nascido na era digital, nunca pense como se ainda estivesse no mundo analógico. Um colega mais novo deu a saída, o uber. Bingo.
Por ordem do governo, não se cobrava pedágio na estrada desde quarta-feira. Na direção oposta, mais uma demonstração de força e planejamento dos norte-americanos. Uma fila interminável de caminhões daqueles que levam plataformas para reparos nas linhas de energia elétrica (contei mais de cem), enviados para socorrer Miami. Consegui sair do inferno anunciado.
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* José Augusto Gayoso está em uma missão de trabalho na Flórida, acompanhando o presidente da Embratur, Vinicius Lummertz
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