Fotografias já amareladas pela passagem dos anos e outras reveladas em preto e branco são como pedaços do tempo que, guardadas aos cuidados do médico Udelson Rezende Duarte. Somadas às memórias dele, conservam não só capítulos de uma carreira de seis décadas dedicadas a pacientes joinvilenses como ainda ilustram momentos de uma outra Joinville.

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A vida do Dr. Udelson, sem dúvida um dos profissionais mais experientes a comemorar o Dia do Médico neste domingo, se confunde com a história da própria cidade. Aos 84 anos e perto de completar 85 no mês que vem, seu nome carrega a reputação de ser o mais antigo em atividade na medicina local.

Foi também o primeiro otorrinolaringologista da região – era chamado de “médico de cabeça” quando começou a atender. São exatos 60 anos de atuação em Joinville. Hoje, é verdade, as consultas já são raras, privilégio de pacientes mais próximos em procedimentos simples.

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Mas a Clínica de Ouvidos, Nariz e Garganta se mantém como um monumento à trajetória de Udelson, pelo menos aos olhos de quem atravessa a rua Rio Branco em frente à rua das Palmeiras, no Centro. Por dentro, a aparelhagem médica não existe mais.

Tudo foi doado para o Hospital São José, o Centrinho Prefeito Luiz Gomes e a Univille. Sobraram poucos equipamentos, algumas verdadeiras peças de museu. Funcionários deram adeus às funções no ano passado. Quanto ao jaleco, Udelson pretende aposentar de vez no próximo mês.

– Estou parando lentamente – diz.

O que será do casarão, ele ainda não sabe dizer. Uma certeza é que a decisão dependerá do aval da mulher, Maria de Lourdes, a Lourdinha, uma das poucas paixões acima da profissão.

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Udelson lembra como se fosse ontem quando a viu pela primeira vez, em 1956, e caiu em “total e irreversível amor”: mal podia pegar na mão da diva de “rara beleza, pele alva e olhos azuis”, mas não precisou de diagnóstico para saber que estava apaixonado.

À época, Joinville com seus 50 mil habitantes tinha só 20 médicos. Um deles, para a sorte do jovem Udelson, era o pai da amada. As trocas de cartas e juras de amor, claro, ganharam o consentimento.

Recém-chegado de Curitiba, o médico decidiu não tirar mais o pé da cidade e dar continuidade aos atendimentos. Muitas consultas, recorda, sequer garantiam pagamento naquela época.

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– Quinta-feira era dia de galinha, de camarão, de bicho. Porque eu tirava para atender aos mais pobres e eles traziam essas coisas para me retribuir. Já escutava galinha cacarejando lá fora. Eles se sentiam gratificados. Até tive desavença com um anestesista que, quando saí da sala de cirurgia uma vez, gritou: “Esse médico pensa que é relógio para trabalhar de graça” – conta.

Homenagem

Que o mundo era outro quando Udelson começou a examinar ouvidos, narizes e gargantas, é de se imaginar. A Seleção Brasileira nem sabia o que era ganhar uma Copa.

Foi em 1950, aliás, que ele passou no vestibular para medicina no Paraná. O que mais se transformou de lá para cá, conta o médico, foi a própria medicina.

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– Hoje, se vive no mundo da computação, mas o nosso não era assim. Tinha o médico que estudava, gravava na cabeça e examinava o paciente lentamente. Por isso se chama paciente. O médico hoje acompanha a evolução da medicina no computador, mas não grava na cabeça. Ele não faz mais nada sem meter o dedo no computador. Por quê? O cérebro dele, o computador fisiológico dele, não registrou nada – raciocina.

Mudanças à parte, chegou a hora de a medicina moderna celebrar quem muito já contribuiu para a profissão. Udelson será homenageado pela Sociedade Joinvilense de Medicina durante o tradicional Baile da Esmeralda, no dia 24 deste mês, na cerimônia Prata da Casa. Ele receberá uma obra de arte e será lembrado em um vídeo institucional da entidade.