Ele vive para cima e para baixo com sua bicicleta vendendo cartelas de jogos. Para bater um papo nem precisa marcar hora, é só chegar à Avenida Hercílio Luz, próximo à Mauro Ramos. Se perguntar por seu Amilton Quintino Serafim, vão dizer que não conhecem, mas por seu Charuto, ah, esse é famoso na região.
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Nascido em 1946 na cidade de Itajaí, é um manezinho de criação. Veio para a Capital com a família com apenas um ano de vida. Aqui seus pais, Quintino José Serafim, sargento da polícia, e Francelina Joana Serafim, lavadeira, criaram os quatro filhos entre o alto da Servidão Farias e a Rua Crispim Mira, no Centro.
Charuto adora lembrar-se da época em que menino não desobedecia aos adultos e que se jogava bola no meio da rua. A mais badalada da época era a atual Avenida Mauro Ramos, de chão batido, sem o movimento de veículos tão comum nos dias atuais. Na memória, a infância, mesmo sem muitos brinquedos e toda essa tecnologia de hoje em dia, foi muito boa.
— A gurizada jogava bola, bolinha de vidro, taco. Era o que nós fazíamos, no meio da rua, não era paralelepípedo, era chão batido, prédio não tinha, era tudo casa velha. Mas quando chegava cinco, cinco e meia (da tarde), a gente tinha que ir embora, porque não podia passar das seis. Seis horas na rua era brabo, nós éramos pequenos, aí ia pra casa, tomava um banho, jantava e ia dormir, porque na época era só rádio, não tinha televisão — recorda.

Pescaria na Avenida Hercílio Luz
Quem é novo em Florianópolis nem imagina que seu Charuto pescava piava onde hoje é a Hercílio Luz. Isso mesmo. E era um dos passatempos preferidos da gurizada.
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— Onde nós estamos aqui, na Hercílio Luz, era um rio. As piavas entravam pelo mar, desciam pelo rio e cresciam aqui, onde nós as pegávamos.
Aos 11 anos ele começou a ajudar a mãe na lida com as roupas, que dona Francelina lavava para fora. Subia e descia o morro com sacos de roupa na cabeça.
— Naquela época não tinha escadaria, era tudo chão batido morro acima. E tinha que estar em casa na hora certa. Botava a roupa na cabeça e voltava pra casa. Eu andava rápido, senão apanhava de vara de marmelo, vara de bambu queimado — conta Charuto, que garante: apanhou pouco.
Estudou até o segundo grau, atual ensino médio, no Grupo Escolar Lauro Muller, e garante que faz contas de matemática melhor do que muitos jovens de hoje. O primeiro emprego formal veio mais tarde em uma lavanderia. Também trabalhou com estofaria, móveis (na mesma época que ganhou o apelido de Charuto) e como entregador.
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Aposentou-se após 33 anos de contribuição, mas diz que não dá para manter o mês inteiro com o salário que ganha. Por isso, vende bilhetes de jogos diariamente na região central da Capital. Orgulha-se ao falar da clientela fiel e de ser pé-quente, pois dos seus bilhetes já saíram nove prêmios.

50 anos de união e companheirismo
Em 1966, aos 20 anos, com o pai doente, a família de Charuto se mudou para uma casa na Rua São Vicente de Paula, no bairro Agronômica, onde viveram durante dois anos. O tempo que passou na comunidade conhecida antes como Pedra Grande foi curto, mas suficiente para ele mudar seu destino.
Foi lá que conheceu Eva Honorato Serafim, hoje com 71 anos, primeira e única esposa. O primeiro encontro foi durante uma festa junina na Igreja São Luiz. Charuto viu a menina Eva no portão e não teve vergonha.
— Eu estava muito bonitinho, era festa junina, no inverno. Naquele tempo a gente usava muito terno. Aí eu fiz sinal para ela, ela gostou, começamos a conversar e eu namorei ela — conta.
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Depois de pouco mais de um ano, eles noivaram e casaram em 20 de julho de 1968. Charuto lembra que a festa foi o evento do ano, começou às 19h, na Agronômica, e terminou quase 9h do dia seguinte na casa da mãe, no Centro. Hoje, ele e dona Eva, que trabalhou muitos anos como merendeira nas escolas da Capital, moram no alto da escadaria da Rua Monsenhor Topp. Tiveram 12 filhos, 18 netos, sete bisnetos e ajudaram muita gente no entorno do Morro Serrat.
A última casa à direita da rua é seu destino diariamente às 22h. Este é o horário em que ele sobe o morro após mais um dia de trabalho.
— Não sou de ficar em casa. Saio às 9 ou 10h, venho pra cá (Avenida Hercílio Luz), converso com os amigos, vou aqui, ali, almoço. Agora, chegou 10h (da noite), fechou o Imperatriz, eu vrumm… Tiro o meu time. A partir das 10 fica tudo em silêncio, só passa coisa ruim — conta.
Sem arrependimentos
Charuto diz que não se arrepende de nada dessa vida. Nem dos tempos em que não tinha limites para tomar uma cachaça ou quando fumava dois maços de cigarro por dia. Mas sente falta dos antigos carnavais. Eterno apaixonado pela escola de samba Embaixada Copa Lord, hoje não desfila mais. Diz que as pernas já não aguentam, mas acompanha tudo pela televisão.
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O que não deixou para trás, mesmo com a idade, foi o hábito de ouvir rádio bem cedinho, os discos da Jovem Guarda e músicas românticas. Segundo ele, seu acervo conta com 3,5 mil discos.
— E assim fui levando a vida. Ainda quero muitos anos de vida, não quero me desesperar, não esquento a cabeça, porque dever, todo mundo deve, se não pago hoje, pago amanhã — brinca Charuto.