Sabe a manjada designação, “velho lobo do mar”? Vem do livro O Lobo do Mar, de Jack London, protagonizado pelo capitão Lobo Larsen.
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Esse clássico da literatura, escrito por um dos autores americanos mais dedicados a temas sociais, foi publicado um século atrás. Era ficção de alto teor psicológico e enredo complexo.
Passados cem anos, o mundo assiste a um lobo do mar real, imbuído de nobres sentimentos humanitários, viver seu martírio. Ele é capitão e americano. Seu nome, Peter Willcox. A idade, 60 anos.
Pois, ao que parece, o lobo do mar da vida real se cansou. Willcox é responsável pelo Arctic Sunrise, barco do Greenpeace abordado pelas autoridades russas em 19 de setembro, quando os 28 ambientalistas e dois jornalistas a bordo, de 18 nacionalidades diferentes, protestavam contra a exploração petrolífera no Ártico. Os 30 estão presos preventivamente por dois meses, acusados de pirataria.
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– Se pudesse voltar atrás, ficaria em Nova York. Lamento muito – disse o “velho lobo”, que vive o mesmo drama da bióloga brasileira Ana Paula Maciel.
A declaração foi dada na última segunda-feira, no tribunal da cidade russa de Murmansk, onde os ativistas estão presos. Homem dedicado ao mar, Willcox revelou, na ocasião: é cardíaco e sofre com a surpreendente prisão.
– Trabalhamos muitos anos juntos, em diversas partes do mundo. Peter é um capitão que sabe animar sua equipe e calcular riscos – descreve desde Portugal, por telefone, Manuel Pinto, gerente de operações da unidade de navios do Greenpeace Internacional.
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Sabe calcular riscos? Mas não imaginou a possibilidade da prisão na Rússia?
– Sabíamos. Calculamos juntos os riscos imagináveis. No máximo, cogitávamos a possibilidade de a embarcação ser apreendida e os ativistas ficarem detidos uma semana. O que fugia a qualquer cálculo era sermos acusados de pirataria. Como assim? Estávamos armados? Queríamos enriquecer, como piratas?
Talvez por isso, Willcox, nascido em 6 de março de 1953, criado em South Norwalk, esteja enfastiado na Rússia. Tem mais, porém: Willcox é casado desde o ano passado com Maggie Willcox, sua segunda mulher. Do primeiro casamento, teve duas filhas, que vivem nos EUA. A distância das jovens o corrói. Certa vez, numa missão que foi de Buenos Aires a Cidade do Cabo, na África do Sul, teve a rara oportunidade de levar uma das suas filhas. Foi uma concessão ao “velho lobo”.
– Só o que pode me afastar do mar é a família – costuma repetir.
É inequívoco: Willcox ama sobretudo as filhas. E isso diz muito a seu respeito. O sentimento paternal está na sua essência. Há relatos de pessoas que conviveram com ele e aprenderam valores como coragem e solidariedade. No Greenpeace, é conhecido como “o homem que tem a água do mar nas veias”. A brincadeira procede. Quando está em Nova York, trabalha em barcos a vela. Participa de competições aquáticas e monta navegações nas marinas. Suplementa a renda dos longos períodos em que serve ao Greenpeace.
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O capitão não bebe nem fuma. Lê sofregamente, especialmente romances.
Coordenador de comunicação do Greenpeace Brasil, Leonardo Medeiros comenta que esse apego todo à família deve representar uma dificuldade a mais para Willcox em sua atuação como ativista.
– Não é fácil se dedicar à família. Ele passa metade do ano no mar – diz.
Com Ana Paula, há boa amizade, na qual emerge o sentimento paternal. Ele tem 29 anos a mais que a gaúcha, de 31.
– É um grande homem, muito afetivo. E ela é uma idealista, querida por todos, educada e inteligente. São pessoas que jamais poderiam estar vivendo o que vivem neste momento – emociona-se Pinto.
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Dois dramas para um só homem
Motivos não faltam para o cansaço que o “velho lobo do mar” demonstra no improvável cárcere russo. A frase anterior está no plural, sim, e não se trata de acaso. São mesmo “motivos” que justificam o fastio do capitão de 60 anos.
O drama russo não é o primeiro de Willcox. Em julho de 1985, ele comandava um barco do Greenpeace, o Rainbow Warrior, quando ele foi explodido por agentes secretos franceses no porto de Auckland, na Nova Zelândia. Se agora, no Ártico, a missão era contra a exploração do petróleo, na Nova Zelândia eram testes nucleares na Polinésia. O episódio deixou um morto, o fotógrafo português Fernando Pereira, 35 anos.
“Há 40 anos pratico esse ofício e jamais houve uma acusação semelhante”
Capitão Peter Willcox para o tribunal russo de Murmansk