Para quem mora em Florianópolis ou para os turistas que ficam horas no trânsito durante os dias de alta temporada, tranquilidade não é exatamente a palavra que combina com a cidade. Mas existem pessoas de diferentes partes do mundo que encontram nas praias da Capital o local tranquilo para ficar um período sem preocupações. Enquanto alguns visitantes passam por apertos para aproveitar o verão, outros buscam um lugar para se fixar e tornam-se, mais que turistas, acabam virando moradores de temporada.
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Dentre as alternativas que estrangeiros encontraram para usufruir das belezas naturais de Florianópolis, estão os simples e baratos campings e os hostels em que se pode contribuir com serviços em troca de descontos na hospedagem. Outra maneira de aproveitar a Ilha, esta conhecida pela maioria dos sul-americanos que veraneiam nela, é ficar pela mesma região e evitar enfrentar o trânsito.
É o que os argentinos Gastón Distefano e Daniela Alvarez decidiram fazer neste ano. Acampados em Canasvieiras, passaram o Réveillon por lá e estão aproveitando o mês de janeiro na praia que fica a poucos passos da barraca que os abriga.
O casal não quer saber de passeios turísticos ou das outras dezenas de praias da cidade. Preferem deixar o carro que os trouxe de Tandil, a 350 quilômetros de Buenos Aires, estacionado no pátio do camping enquanto tomam cerveja comprada no supermercado – um pouco menos inflacionada que a vendida por ambulantes.
Gastón veio a Florianópolis outras vezes e ficou mais tempo. Agora serão 10 dias.
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— Este ano tive poucos dias de férias e a nossa moeda está muito desvalorizada, então é muito caro ficar no Brasil.
Este é um indicativo da crise econômica na Argentina: os que conseguem viajar para o Brasil ficam menos tempo do que gostariam.
De acordo com a pesquisa de demanda turística internacional do Ministério do Turismo, a média de permanência em SC cai desde 2013. Em 2017, os visitantes ficavam em torno de 12 dias no Estado.
Nos aeroportos, a estimativa é que os voos vindos da Argentina para Florianópolis caiam 9% em relação ao ano passado. Por outro lado, em janeiro a oferta de voos para chilenos aumentou em até 100% em relação a baixa temporada.
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Ainda assim, os argentinos dominam a lista de estrangeiros no verão catarinense.
A pesquisa realizada pela Fecomércio sobre a alta temporada 2017-2018 aponta que eles representaram 23,5% dos visitantes no Estado. Em seguida, aparecem uruguaios, paraguaios e chilenos.
No levantamento, o primeiro país que não é do Mercosul a aparecer foi a Itália.
Predomínio da Classe C
A pesquisa também apontou a evolução da distribuição por classes socioeconômicas e mostrou um predomínio de turistas da classe C no litoral do Estado. Porém chamou a atenção na temporada de 2018, o aumento da presença de visitantes da A e B.
Quem são os estrangeiros que ficam em Florianópolis
O estudo realizado pelo Ministério do Turismo em 2017 traz também números exclusivos de Florianópolis. Na Capital, 74,1% dos turistas eram argentinos. Os uruguaios representavam 11,4%, os paraguaios 4% e os chilenos 2,1%.
A composição do grupo turístico é em sua maioria famílias e casais sem filhos. Homens representaram 68,7% dos visitantes. Metade se hospedou em casas alugadas, e 35% em hotel, flat ou pousada. O tempo médio de permanência é menor do que o constatado em SC: 10,5 dias. Os turistas de outros continentes não são representativos nos levantamentos.
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Outra pesquisa, o anuário turístico organizado pelo mesmo ministério, indica que 98% dos turistas que vieram ao Estado em 2017 eram da América do Sul. O segundo continente a aparecer é a Europa, com destaque para os alemães, que representam pouco mais de 1% dos 205.470 estrangeiros que entraram em Santa Catarina.
Enquanto o destino dos nossos vizinhos sul-americanos é o Norte da Ilha, a região preferida de estrangeiros de outros locais é o Leste. O centrinho da Lagoa da Conceição é o local mais provável em que se vai escutar gente falando em inglês. Os jovens que buscam ficar perto da praia, praticar esportes e aproveitar a noite ficam nos hostels da região, que estão acostumados a atender os hóspedes em inglês.
Os que escolhem ir para a Barra da Lagoa se conectam com o local ao mesmo tempo que se isolam do resto da cidade, ficando em albergues encravados na margem do canal que frequentemente oferecem vantagens para quem está disposto a trocar a hospedagem por trabalho no próprio local.
Alguns conseguem viver meses no Brasil, desfrutando das belezas naturais do bairro. Pouco são afetados pelos congestionamentos que assolam toda Florianópolis. Compartilham a moradia com outros estrangeiros, às vezes ficam dias conversando apenas em inglês, mas viram moradores, pelo menos de temporada, da Ilha da Magia.
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O perfil dos turistas internacionais
O turista estrangeiro tem características muito diferentes do visitante brasileiro e mesmo entre as várias nacionalidades há distinções. A análise é de Tiago Mondo, professor de Turismo no Instituto Federal Catarinense (IFSC) e recém anunciado para assumir a Santur, entidade que promove o turismo catarinense.
— O turista do Mercosul tem um comportamento de compra mais econômico, mas ele é quem mantém o mercado do turismo em Santa Catarina. Eles são como a vaca leiteira do setor. Já o turista dos outros continentes seria a estrela, por ter mais poder aquisitivo e buscar mais oferta de atividades — afirma.
O gasto médio per capita dos turistas internacionais em 2017, de acordo com o Ministério do Turismo, foi US$ 52,42 por dia.
Segundo Mondo, o fluxo de estrangeiros depende muito da conjuntura econômica dos países emissores, mas é possível encontrar formas de atrair os dispostos a viajar.
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— Os turistas europeus, asiáticos e norte-americanos costumam escolher os destinos mais conhecidos do verão brasileiro: as capitais nordestinas e o Rio de Janeiro — afirma.
De acordo com Mondo, um dos caminhos para fomentar o Estado para estes visitantes é conseguir trazer voos internacionais para SC, em rotas para a Europa e o Panamá, que atrairiam viajantes norte-americanos. Além disso, precisa buscar presença digital para conquistar turistas nestes países.
No levantamento da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) sobre os últimos dias de 2018, os empresários do setor em Santa Catarina apontaram uma mudança no perfil dos turistas estrangeiros, e principalmente a diminuição dos argentinos. Por outro lado, a percepção de Andreoara D. Schmidt, diretora do Instituto Ilha do Campeche, responsável pela gerência de um dos locais mais buscados pelos turistas internacionais, é de que visitantes de nacionalidades mais diversas estão aparecendo nesta temporada, como por exemplo os chineses. Ela também lembra que o fluxo de argentinos cresce bastante em janeiro e fevereiro.
Trabalho em hostel na Barra da Lagoa e desejo de morar no Brasil
As areias da Barra da Lagoa, no Leste da Ilha de Santa Catarina, não são as que mais recebe turistas estrangeiros na alta temporada. Ainda assim, de acordo com os vendedores ambulantes, sempre se encontra grupos falando espanhol ou inglês enquanto tomam sol, cerveja e água de coco. Mas há na Barra uma ponte, que serve para pedestres atravessarem o canal e que leva a uma pequena babel paradisíaca.
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Saindo da pequena ponte, vê-se pelo menos uma dezena de plaquinhas indicando a direção dos hostels e restaurantes. Em uma janela, a bandeira de Israel já indica uma das nacionalidades que habita a margem direita do canal da Barra da Lagoa.
A israelense Eden Levite, 23 anos, passa pela bandeira de seu país sempre que precisa sair do lugar em que está vivendo há dois meses. Ela encontra-se em um albergue especializado em receber estrangeiros e que dá desconto nas hospedagens longas para quem contribui nas atividades do lugar. É possível trabalhar na recepção e na gestão ou mesmo oferecer atividades como meditação e yoga.
Quando Eden chegou na Barra, o que mais a impressionou foi a gentileza dos moradores. Ela ressalta que a maioria dos brasileiros com quem conversou estavam com um sorriso no rosto.
— Sempre foram muito atenciosos, educados, com ótima conversa. E mesmo eu não falando português, conversam comigo e eu tenho que dizer "espera, vou pegar o tradutor no celular"! — brinca a israelense.
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Com as atividades na manutenção e na cozinha do hostel, a convivência com outros estrangeiros que vivem no mesmo estilo é intensa. Isso e a vista da extensa faixa de areia em sentido ao Norte da Ilha, onde a mesma praia passa a se chamar Moçambique, são fatores que justificam a paixão dela e de outros estrangeiros por aquele cantinho de Florianópolis.
Karina Miller, 26 anos, está na Barra da Lagoa há dois meses e renovou seu visto por mais três.
A norte-americana, assim como a colega de Israel, conheceu as praias do Leste da Ilha e fez trilhas como a da Lagoinha do Leste, mas o que mais gosta é do ambiente tranquilo do hostel e da vizinhança da Barra da Lagoa.
Ela contribui no marketing do hostel, e também trabalha na cozinha e na recepção. Diz que gostaria de viver definitivamente no Brasil. Além da Capital catarinense, Karina passou uma semana em São Paulo. Não tem dúvidas que escolheria Floripa para morar.
Quando pensam em ficar por mais tempo aqui, as duas também refletem sobre os pontos negativos. Após forçarem na memória, começaram a elencar coisas que poderiam atrapalhar a vida aparentemente perfeita: o trânsito, a poluição e a falta de água frequente no bairro.
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Mas logo a vibração positiva do local é relembrada. E para Karina, esta vibe do local e das pessoas é o principal fator para querer viver, no mínimo, todo o verão na Barra da Lagoa.
Camping em Canasvieiras, um amor de 35 verões
O casal de aposentados Jorge e Stella Maris Salom vem de Buenos Aires, Argentina, para Florianópolis há 35 anos. Conhecem muito bem o Norte da Ilha: sempre estacionaram seu motorhome no mesmo camping no lado direito da praia de Canasvieiras.
– Quando nós viemos pela primeira vez, a estrada para cá era de terra. Não havia posto de gasolina, apenas em Ingleses. Tinha pouca gente que passava o verão aqui. – diz Jorge.
Nos últimos anos, o número de turistas aumentou muito e as consequências, como a poluição, vieram junto. Há três anos, o poluído rio do Braz, ao lado da área de camping, extravasou para o mar e contaminou a praia exatamente em frente ao local que o casal argentino fica durante janeiro. À época, muitas famílias de campistas ficaram com virose.
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Eles costumam passar o mês de janeiro inteiro acampados. Trazem bicicletas e até um barco rebocado no trailer e costumam navegar pelas ilhas da região Norte ou atracar em Jurerê.
No inverno, o motorhome roda em direção ao Sul da Argentina. Também já passou por Gramado, no Rio Grande do Sul, e por todo o Litoral catarinense. Jorge e Stella viajaram pelos ares ao Nordeste brasileiro e ao Rio de Janeiro, mas não trocam a vida de camping por nada.
– Temos paz, não temos horário, há convivência, fazemos amigos. Para nós é uma forma de viver – finaliza Jorge.
Feijoada, Ilha do Campeche e barco pirata
A família de Ruben Martinez e Claudia Guevara está em Florianópolis desde o último domingo de 2018. O casal se hospedou em um hotel de Canasvieiras, no Norte da Ilha, com os três filhos Fiorela, Carol e Lucas, e com dois cunhados. Os sete vieram de avião de Santiago, no Chile, e vão ficar uma semana na cidade.
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Claudia encantou-se com o costume de passar a virada de ano de branco nas areias da praia. Enquanto comia uma porção de camarão à beira do mar, Ruben elogiou a comida brasileira, em especial, a feijoada.
Na tarde da quarta-feira, o filho Lucas, de 18 anos, e a namorada Antonia preferiram diversificar a estadia na Capital catarinense e foram a uma pista de skate com um motorista chamado por aplicativo. Os cinco que ficaram foram à praia e dividiram a sombra de dois guarda-sóis de frente para o mar e para a multidão na praia com mais estrangeiros em toda a Ilha.
No primeiro dia do ano, os Martinez embarcaram em um dos barcos turísticos que saem do trapiche de Canasvieiras. Os sete chilenos se divertiram com as caipirinhas e os banhos de mar.
Em geral, pretendiam ficar pelo Norte da Ilha. Mas a família teria que praticamente atravessar a Capital para fazer um dos programas que mais desejava, visitar a Ilha do Campeche.
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Para este tipo de passeio, a ideia era alugar um carro ou contratar serviço de transporte privado. Ficou para uma outra oportunidade.