Em linha reta, 3,622 quilômetros separam Santa Catarina, ao sul, de Roraima, o estado mais ao norte país. Com uma hora a menos no fuso horário e temperaturas que colocam 24 °C como média para a temperatura mínima, o antigo território federal é prova da faceta do engajamento catarinense em missões humanitárias. Acostumados a participar de atividades de apoio à população em situações de calamidade, como as enchentes no Vale do Itajaí, 12 militares catarinenses se integraram de forma voluntária à Operação Acolhida.
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A missão tem por objetivos recepcionar, abrigar e interiorizar imigrantes provenientes da crise humanitária na Venezuela, o segundo país com maior número de deslocados e refugiados no mundo, e atrás somente da Síria. Desde então, são contatos diretos com crianças, gestantes, idosos, mulheres e homens que muitas vezes chegam com uma mala e poucas roupas.
Na lista dos catarinenses constam duas mulheres. Uma delas é a primeira-tenente Mariana Iwakura, do 14º Regimento de Cavalaria Mecanizada de São Miguel do Oeste SC, e atuando como médica. A outra é a segunda-tenente Pamela Renata Marin, do 1º Batalhão Ferroviários de Lages, desempenhando a função de jornalista.
Independente do gênero, militares catarinenses destacam a oportunidade do crescimento humano que a missão oportuniza. O major Sílvio Moreira de Sant’Anna Junior, da 14ª Brigada de Infantaria Motorizada de Florianópolis, atua na célula D7, área de Comunicação Social. O trabalho não mudou muito, pois na brigada ele desempenha também a função de Chefe da Seção de Comunicação Social. Mas é a primeira vez numa missão humanitária com estas características, o de acolhimento a pessoas que abandonam o próprio país:
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– A experiência é ímpar, tanto em poder cooperar na manutenção da ordem e bem-estar na cidade de Boa Vista, a capital de Roraima, como na restauração da esperança dos migrantes e refugiados venezuelanos que procuram nosso país em busca de melhores condições de vida.

O major lembra que as Organizações Militares do Estado de Santa Catarina, sob a coordenação da 14 ª Brigada de Infantaria Motorizada, frequentemente atuam em ações humanitárias para atender a população catarinense. Mas desta vez, ele fala em duplo aprendizado:
– Na parte profissional, estou atuando na área de comunicação e está sendo uma oportunidade única pelo trabalho intenso em atender as demandas da área da comunicação, como assessoria de imprensa, relações públicas e divulgação institucional. Como pessoa, a vivência em uma operação desse tipo, nos traz melhor a possibilidade de engrandecimento nas relações humanas ao conhecer a situação dos nossos irmãos venezuelanos.

O major se tornou testemunha da realidade dos refugiados e que atingem 84 milhões de pessoas no mundo:
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– Ninguém abandona o seu país natal voluntariamente – reconhece Sant´ Anna.
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Exercer ação humanitária em tempos de pandemia é sempre um desafio maior. Mas o major diz que foram adotados os protocolos sanitários indicados pelas autoridades, e com isso minimizar a probabilidade de contágios.
A distância da família que vive em Santa Catarina é lembrada. A saudade é grande, diz, mas amenizada pelo contato diário por aplicativos de mensagens e ligações de vídeo. Porém, diz, como militar, precisa ter o foco no cumprimento da missão, conciliando atenção para com a família e as peculiaridades da profissão.
Salvamento de criança
Quando deixou Joinville, onde serve no 62º BI, na função de Adjunto da Formação Sanitária do Batalhão, o subtenente Jair Roberto Johan sabia que viveria experiências fortes. Iria para um cenário onde teria que a auxiliar pessoas em condições de extrema vulnerabilidade que vivem na capital Boa Vista e entorno, em ações de marcação de consultas, exames e procedimentos médicos no Sistema Único de Saúde. Consequentemente, aprimorar técnicas no tocante a função de auxiliar de enfermagem.
Porém, salvar a vida de uma criança engasgada com o leite é algo que o marcou. Foi em 8 de maio, mas Johan ainda lembra com detalhes do desespero da mãe, que estava no Abrigo Picumã, quando chegou com a menina desfalecida, na recepção do anexo. Foram necessárias três manobras de Heimlich (procedimento feito quando a criança está inconsciente) para que a garotinha voltasse a respirar, a se mexer, a dar sinais de que estava viva:
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– Foi sem dúvida o dia mais feliz da minha vida dentro desta missão.
Felicidade confirmada pela mãe, a venezuelana Francheyz Lopez:
– Não fosse o ato heroico do militar Johan e a Operação Acolhida minha filha estaria morta. Quando chegamos, ela estava arroxada, e ele imediatamente começou a prestar os primeiros socorros – recorda.
Fazer a diferença para outra pessoa
O soldado André Luiz Meneghini Primaz, do 63º Batalhão de Infantaria de Florianópolis, é motorista. Para ele, participar de uma ação humanitária na fronteira de dois países tem um grande valor: ajudar pessoas.
Mesmo sentimento tem o colega cabo Lucas Lima, também de Florianópolis. Lima trabalha no apoio mecânico a todas as viaturas da Operação. O cabo tem uma resposta altruísta quando lhe perguntam sobre o motivo de ter deixado Florianópolis e ido a Roraima:
– Queria fazer a diferença, ajudar o pessoal mais necessitado.
O terceiro sargento Daniel Marques Júnior, da 3ª Companhia Infantaria Motorizada de Tubarão trabalha no núcleo de saúde da Operação Acolhida, também pensa assim. Em 2018 ele esteve participando da missão. Quando soube que havia nova oportunidade apresentou-se como voluntário. Toda a parte de estatísticas passa por ele, como os lançamentos de teste de Covid e de vacinação.
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Foi o militar catarinense quem criou uma caderneta de vacinas para as crianças que passam pela missão. Um documento que vai ajudá-las no futuro, quando suas famílias tiverem deixado os abrigos.
Tem dias que a saudade de casa aperta, diz Marques Júnior, mas o efetivo é muito bom e o clima fraterno ajuda. Para o sargento, a preocupação com a pandemia ocorre principalmente com os familiares que moram em SC. Sempre que pode, o militar manda um recado para a família:
– Aqui comigo está tudo bem. Segurem as pontas aí que logo, logo estou voltando.
“Oportunidade para entender o país vizinho”, diz sargento que é voluntário em Manaus
Mais próximo de Roraima, mas no outro extremo do país, em Manaus, encontra-se o sargento Joaquim Fernando Ramos Dorneles. Na capital amazonense está um dos braços da Operação Acolhida. Auxiliar administrativo do setor de Licitação, na base de Manaus, ele serve 23º Batalhão de Infantaria de Blumenau, na função de auxiliar da 2º seção. Também é a primeira vez que participa da Operação Acolhida.
– Tornei-me voluntário para agregar experiência em ações humanitárias e aprimorar o conhecimento em língua estrangeira, adquirir conhecimento em nova área de atuação financeira e conhecer costumes e tradições de outro estado e outro país.
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Para o militar, o povo venezuelano precisa de ajuda e uma oportunidade de refletir sobre o que acontece no país vizinho ao nosso.

Saiba mais sobre a Operação Acolhida
A Operação Acolhida é uma resposta humanitária que se iniciou em abril de 2018. O objetivo é acolher venezuelanos que a partir do começo daquele ano atravessaram a fronteira com o Brasil em busca de ajuda devido à crise social, política e econômica no país vizinho. São esforços conjuntos do governo federal brasileiro, da Agência da ONU para Refugiados, da Organização Internacional para Migrações, agências das Nações Unidas, organizações da sociedade civil e das Forças Armadas.
Ordenamento na fronteira
Cerca de 50 mil refugiados e imigrantes venezuelanos foram interiorizados em três anos e estão presentes em pelo menos 670 municípios brasileiros em busca de um futuro melhor, com emprego e acesso a serviços de educação e saúde. Além da estratégia de interiorização, a Operação Acolhida é baseada em outros dois pilares: ordenamento de fronteira e acolhimento. Juntos, promovem ação sólida para a recepção e integração socioeconômica dos refugiados e migrantes no país
Troca de comando
A partir de setembro um novo comandante assume a operação. É possível que uma nova leva de militares catarinenses se inseriam no programa. O atual, general Antônio Manoel de Barros, dará lugar ao general Sérgio Schwingel, segundo subchefe do Estado Maior do Exército. É a segunda troca de comando desde o começo da operação, que teve o general Eduardo Pazuello como primeiro coordenador. Pazuello foi ministro da Saúde. A pasta é investigada na CPI da Covid.
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