A Copa do Mundo da França pode ter acabado, mas a discussão sobre a desigualdade de gênero no esporte está longe de ter um fim. Durante a transmissão da partida decisiva do mundial, a atacante da Seleção Brasileira Cristiane ressaltou a importância de criar condições desde a base para que o esporte se desenvolva no país. “São as meninas que vão nos substituir. Próxima geração está aí”, disse a camisa 11. E a jogadora são-paulina não está sozinha nesta luta.

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Foi por essa necessidade que nasceu o Mapa do Futebol Feminino online, desenvolvido pelo projeto Joga Miga. Por meio dele, mulheres e meninas interessadas no esporte podem encontrar equipes femininas ou divulgar seus próprios times em busca de novas jogadoras. O mapa reúne times de futebol, futsal e society de todo o Brasil e tem como objetivo tornar o esporte acessivo às mulheres.

— Quanto mais times cadastrados, melhor. É uma boa para todo mundo que está no mapa, tanto para as mulheres encontrarem um time quanto para quem tem o time, porque às vezes falta pessoal para jogar — conta a co-fundadora e CEO do projeto, Nayara Perone.

Até o momento, 95 times já se cadastraram, conforme dados presentes no mapa. Desses, nove são do Sul do país. Uma delas é a equipe catarinense o FutBelas, time futebol Society de Florianópolis criada em 2016 — por enquanto, o único catarinense a participar da iniciativa.

A brincadeira que inicialmente buscava apenas reunir amigas para a prática de atividade física, hoje disputa a série B do campeonato MB Feminino, organizado pela Liga MB de Futebol 7, da Capital catarinense.

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A vendedora e co-fundadora da equipe, Luana Ferreira Dias, conta que o time ganhou corpo impulsionado pelo crescimento da modalidade entre as mulheres do Norte da Ilha. Com o surgimento de outras equipes, o time foi criando uma identidade.

Os treinos ganharam constância e um dos primeiros passos para torná-lo realmente um time veio com a decisão de confeccionar os uniformes. Na época, as camisas foram bancadas pelas próprias jogadoras, já que a equipe não recebia patrocínio.

Em abril de 2016, o FutBelas já tinha um escudo, uma camisa oficial, e naquele mesmo ano começou a disputar campeonatos locais. Com o tempo, o lilás da primeira camisa foi dando lugar a outros tons até chegar ao azul e preto, cores que representam o time atualmente.

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Três anos depois da fundação, e já contando com o apoio de sete patrocinadores, hoje o cenário é um pouco menos hostil. Mas, apesar de as pessoas estarem mais dispostas a acreditar nos times compostos por mulheres, Luana reforça que o caminho até a igualdade ainda é longo.

— Falta oportunidade, visibilidade e empresas que acreditem no futebol feminino e dê o mesmo apoio que dão para o masculino — diz.

Para a lateral-esquerda, não se trata de falta de interesse das mulheres. O problema está na falta de apoio para que elas possam se desenvolver nessas modalidades, de acordo com ela. A camisa 7 do Futbelas conta que além do preconceito, a caminhada também é dificultada pela carência de estrutura e pela falta de campeonatos femininos com maiores premiações.

— A busca pela igualdade é muito importante, ainda mais se você é mulher e joga bola. Não temos muito espaço no futebol porque para muitos ainda é considerado um esporte masculino, um lugar que não é de mulher. E quando encontra uma mulher com qualidade no futebol, a sociedade ainda compara com um jogador masculino — critica a jogadora.

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#JogaMiga: uma escolinha de futebol para mulheres adultas

A busca por espaço dentro do esporte, pontuada por Luana, foi justamente o que motivou o projeto Joga Miga a ir além da produção de conteúdo voltado ao tema. A plataforma existente desde 2015, que reúne notícias, entrevistas e artigos sobre futebol feminino, tem atuado também na prática.

Além do Mapa do Futebol Feminino, o projeto conta com uma escolinha de futebol para mulheres adultas, que atende jogadoras de vários níveis — “do zero à Marta”, conforme a organização o descreve.

A iniciativa vai de encontro com a proposta de fortalecer o futebol feminino em sua base e busca conectar mulheres e meninas ao esporte, conforme explica a co-fundadora Nayara Perone.

— A ideia sempre foi juntar as mulheres para jogar, independentemente do nível de habilidade, focando em quem não sabia jogar. A gente criou uma metodologia de treino tático, físico, técnico, e o jogo para aplicar o que foi aprendido. A gente coloca desafios, elas participam de campeonatos internos, externos — conta a Webdesigner e zagueira.

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Atualmente, o Joga Miga tem seis turmas em São Paulo, uma subsede em Belém (PA) e planeja abrir mais uma na Grande São Paulo. Mas a proposta é expandir cada vez mais, para outros estados. Nayara conta que o projeto funciona de maneira independente, não tem fins lucrativos, mas conta com o apoio financeiro de cada participante para que continue existindo.

— A gente não tem parceria, somos nós por nós. Temos custos com os salários das professoras e professores, quadras e materiais. A ideia é ter o melhor custo/benefício e ser o mais barato possível, então a gente não tem fins lucrativos, mas não é gratuito, infelizmente – explica Perone.

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E o modelo tem dado certo. Para ela, a experiência tem sido a melhor possível. Muito além do campo e da bola, a realização pessoal que as aulas levam às participantes tem ajudado a reforçar a sua importância perante o público feminino.

— A gente viu muitas mulheres chegaram sem nunca ter jogado, aprenderem a jogar e se apaixonarem por futebol. Mulheres que há muito tempo tinham parado, principalmente, na fase da adolescência, terem conseguido voltar, achar um time. Nossa ideia é ser um espaço seguro, tranquilo para jogar, fazer amizades, vivenciar o que o futebol pode fazer de melhor. É uma experiência muito positiva. Cada vez que a gente cresce um pouco, eu fico mais feliz porque vejo muitas histórias de superação. Acho que uma acaba inspirando a outra.

De olho no futuro

A co-fundadora do projeto Joga Miga também acredita que o futuro do futebol feminino depende de incentivos tanto no esporte profissional quanto no amador. Este último, segundo ela, formado por mulheres que, por uma questão cultural, não tiveram a mesma vivência com o esporte na infância em comparação com os homens.

Ela defende que o trabalho de base deve começar ainda na vida escolar, principalmente nas escolas públicas, com as meninas que demonstrarem interesse pelo esporte.

— Que isso seja fomentado, que os professores e as famílias permitam que as meninas aprendam a jogar. Você nunca vai saber se gosta de jogar se não ter essa vivência. Isso no futebol não acontece com as mulheres.

Já no caso das atletas profissionais, ela ressalta que a valorização financeira ainda é uma barreira dentro do esporte. Nayara conta que além de muitas não conseguirem viver da profissão, ainda enfrentam problemas básicos de infraestrutura e falta de assistência dentro dos clubes.

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— É preciso que elas consigam ter uma comissão técnica profissional que cuide das especificidades de saúde delas, que todos os profissionais tenham vivência na modalidade, para que ela consiga crescer. Que elas tenham rendimentos compatíveis com as camisas que estão carregando e comecem a receber também proposta de outros patrocinadores. É o que fará elas conseguirem viver disso e trazer mudanças para as próximas gerações.

Ao mesmo tempo em que o cenário atual expõe um longo caminho até a valorização feminina dentro do esporte, a visibilidade trazida pela Copa do Mundo deste ano é uma esperança tanto para Luana, jogadora do FutBelas, quanto para a co-fundadora do Mapa do Futebol Feminino.

O salto dado pela cobertura midiática em comparação com outras edições foi algo muito positivo para Nayara, que esteve na França acompanhando a Copa. Diferente de outros anos, em que apenas veículos independentes acompanhavam verdadeiramente o mundial, ela considera a cobertura desta edição importante para o crescimento do esporte, sobretudo no sentido de incentivar o interesse da população.

— Foi um grande passo, um passo sólido que deu pra sentir, ao contrário de outros anos que era só naquele momento e depois acabava — pontua.

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Além do desenvolvimento do esporte, a cobertura também é importante para a própria discussão acerca da modalidade. Se pudesse destacar um ponto negativo, seria a carência de conhecimento acerca de assuntos pontuais do esporte, de acordo com ela.

— Poucos sabiam da rivalidade entre Brasil e Austrália, mas tratavam Brasil e França com uma rivalidade que só existe no masculino. Essas coisinhas que não fazem muito sentido para quem já acompanha. Mas de resto eu achei que foi muito positivo de qualquer maneira, o saldo final da cobertura tá bem interessante e só o fato de passar na tevê já é um avanço — finaliza.

Veja como cadastrar um time feminino no mapa

Para cadastrar no mapa, basta entrar no site, preencher e enviar o formulário disponível. As organizadoras do site avaliam se o time é realmente feminino. Se estiver tudo certo, o cadastro é aprovado, e o time passa a integrar o mapa.

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