Por grande parte dos últimos 50 anos em que o ser humano se aventurou pelo espaço, os astronautas foram vistos como a epítome do nerd com um piloto de teste desafiador da morte. O comandante Chris Hadfield encarna os dois estereótipos, mas conseguiu incorporar mais alguns elementos a seu posto: geek, tuiteiro, fotógrafo e, no tempo que sobra, músico e frasista.
Continua depois da publicidade
Ele compartilha quase todo o instante na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês): o waffle com melado gravitando em torno do pacote, os exercícios para não atrofiar os músculos. Mas a maior mania de Hadfield, ex-piloto das forças armadas, é fotografar cidades e paisagens que vê da cúpula envidraçada da nave – Porto Alegre foi uma das escolhidas, por conta da curiosidade de Hadfield ante o nome da Lagoa dos Patos. Posta as imagens nas redes sociais, com insights filosóficos sobre o espaço e a vida em gravidade zero.
A disposição do comandante em compartilhar com o público o cotidiano no espaço o transformou em celebridade mundial. Ao tentar contato para marcar uma conversa via Facebook, quem responde a Zero Hora é o filho de Hadfield, Evan, que se põe à disposição para quaisquer perguntas, mas avisa: “pelo impressionante interesse da imprensa”, o astronauta já não agenda mais entrevistas.
Continua depois da publicidade
Hadfield fala a emissoras de televisão, presta atenção às perguntas de crianças curiosas, grava dueto musical e organiza conferências online nas quais esclarece os questionamentos de internautas em tempo real. E até alegrou os trekkies do mundo todo ao conversar com William Shatner, o Capitão Kirk da série Star Trek, em uma transmissão promovida pelo Twitter.
O astronauta canadense, de 53 anos, demonstra que não quer perder tempo na Estação Espacial Internacional, onde cumpre desde dezembro uma missão de cinco meses com outros cinco colegas. Ele conduz experimentos científicos e opera um braço robótico para consertos mecânicos. Em março, irá assumir o comando e será o primeiro canadense a alcançar tal posto.
Suas fotos, tiradas da janela da Estação Espacial com uma câmera profissional com “lente grande”, como ele mesmo diz, mostram tempestades de raios, chamas e fumaça nas florestas australianas, as pirâmides no Egito, a ponte de Maracaibo, na Venezuela, tudo devidamente acrescido de comentários que demonstram a familiaridade de quem já esteve em duas missões similares ao espaço.
Sua intimidade com a comunicação digital despertou a inveja de veteranos do espaço: Buzz Aldrin, segundo homem a caminhar pela Lua, em 1969, alfinetou Hadfield, que recentemente foi indicado ao Shorty, prêmio concedido aos melhores nas mídias sociais:
Continua depois da publicidade
– Neil (Armstrong) e eu teríamos tuitado da Lua se pudéssemos, mas preferiria tuitar de Marte – postou Aldrin em sua conta – Talvez em 2040.
Hadfield e equipe não são os pioneiros do Twitter e Facebook no espaço – a Nasa veicula todos os comentários e fotos no site da missão. Em novembro de 2012, a astronauta Suni Williams, comandante da ISS, aproveitou seus últimos dias em órbita para filmar uma visita guiada à Estação. No vídeo, ela também explicava diversos aspectos da vida de astronauta: como a tripulação come, dorme e vai ao banheiro, por exemplo.
Não é de se culpar quem pensa que sua missão tem mais a ver com redes sociais do que com ciência. Na verdade, o Twitter, os vídeos tocando violão e as fotografias vêm depois dos experimentos sobre o efeito do espaço em fluidos corporais, funcionamento do corpo humano e hidráulica.
– Mas os dois estão bem perto – brinca Hadfield.
Show de rock ao vivo a 400 quilômetros da Terra
Além da comunicação, o astronauta exibe algum dom musical. Quando está na Terra, toca guitarra em duas bandas em Ontario, onde vive. Em órbita, inovou.
Continua depois da publicidade
Durante treinamento na Rússia, conheceu Ed Robertson, líder da banda canadense Barenaked Ladies (a do seriado The Big Bang Theory) e compôs com ele ISS (Is Someone Singing). A canção foi apresentada ao vivo na TV canadense em um megaevento do governo. Detalhe: o comandante tocou guitarra direto da Estação Espacial.
Seu sucesso também está na paciência com que explica a vida lá em cima. Como se chora no espaço?, perguntou um seguidor do Twitter. Eis a resposta:
– Os olhos produzem lágrimas, mas elas colam, como uma bola líquida. Na verdade, elas ardem um pouco. Então, as lágrimas espaciais não correm.
Um dominicano questionou como era dormir sem gravidade. A resposta veio em tom filosófico:
– Eu amo dormir sem gravidade. Sem colchão, sem travesseiro, sem dor nos ombros. Apenas relaxar todos os músculos e flutuar até o sono.
Continua depois da publicidade
Ele costuma participar de conferências Ask me Anything (Pergunte-me Qualquer Coisa, em inglês). Na última, assistida por 2,7 milhões de pessoas na rede social Reddit, explicou como funciona a internet no espaço, a pedido de um fã de 10 anos no Canadá.
– A transmissão de dados é muito lenta para assistir a vídeos, mas perfeita para coisas como Reddit e Twitter.
Há os supercomputadores que controlam a ISS, mas, para se comunicar, usa um laptop comum. “A mágica está na conexão”, disse, referindo-se à máquina conectada a um servidor em Houston, nos EUA, via satélite.
A tripulação tem acesso lento à internet 12 horas ao dia e, para fazer o upload de vídeos, o sinal de servidor mais veloz fica disponível algumas vezes ao dia.
Continua depois da publicidade