Dom Martinho é peruano, monge, pós-doutor em Física e agora… Cervejeiro. Formado em Blumenau, o religioso adquiriu conhecimento para se tornar o responsável pela produção de uma cervejaria no mosteiro em que atua, no interior de São Paulo. O objetivo da abadia é vender os rótulos para garantir recursos que mantêm o templo.
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Juan Yury Zevallos Chávez, ou Martinho, teve de entrar no universo cervejeiro para cumprir a missão da “obediência”, um dos três votos para a consagração. Para isso, buscou em Blumenau o conhecimento e teve de deixar a Física de lado para se dedicar à Química. Os cálculos continuam, é verdade, mas agora se tornam parte de receitas. A cinemática deu lugar à água, ao malte, ao lúpulo e ao fermento.
O — agora — cervejeiro morou por sete anos na Abadia de Saint Vicent, nos Estados Unidos. Em 2018 chegou ao Brasil para atuar no Mosteiro São Bento, em Vinhedo (SP), a 80 quilômetros da capital paulista. Lá, recebeu do abade (superior hierárquico), a missão de produzir as cervejas. Não era um pedido. Era uma ordem.
— Ali começou tudo. Entendi que, no meu trabalho monástico, o Ora et Labora (reza e trabalha) incluiria cerveja — relata.
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A pesquisa de Martinho em física nuclear e radioterapia com feixe de elétrons foi ladeada. Ao estudar Como Montar uma Cervejaria e Tecnologia Cervejeira, dois cursos distintos da Escola Superior de Cerveja e Malte, ele se especializou na nova missão. Foi difícil, claro:
— Eu conhecia muito pouco do universo da cerveja artesanal. Para quem trabalha na área de exatas, apenas repetir receitas e não entender o porquê das coisas é ‘fatal’, ou ‘no mínimo uma tragédia’ — brinca Dom Martinho.
A Cerveja Monástica é comercializada no próprio Mosteiro de São Bento, junto com outros produtos confeccionados no claustro. São três estilos: Belgian Blonde Ale, Steam Lager e Weiss. Ainda em 2021, uma Dubbel deve ser lançada. A inspiração está nos mosteiros europeus e nas cervejas trapistas.
— Procuramos ter cervejas próprias de mosteiro ou de estilos que tenham alguma tradição que se conecte com o nosso fazer monástico — explica Dom Martinho.
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Agora, cabe a Martinho o aprimoramento das receitas e melhoria nos processos, para adaptar ainda mais as cervejas dos monges do interior de São Paulo. O processo científico, adquirido nos estudos em Blumenau, já reflete na qualidade do produto.
— Penso que todos que vão produzir cerveja em pequena ou grande escala precisam se dedicar ao conhecimento. Não dá para seguir apenas as receitas.
Inspiração trapista
A inspiração de produção cervejeira em mosteiros brasileiros vem da tradição e qualidade das cervejas trapistas. Esse tipo é feito sob supervisão de monges da Ordem Trapista — uma congregação religiosa católica — e carrega consigo um padrão de qualidade. Tanto que há apenas 14 mosteiros autorizados a fabricá-la, sendo seis na Bélgica, dois na Holanda e um na França, Espanha, Inglaterra, Áustria, Itália e Estados Unidos.
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Mas o que essas cervejas têm de diferente? Na prática, o método de produção. Elas têm de ser feitas dentro dos muros do mosteiro, com olhar dos monges; ela tem de respeitar o modo de vida monástico; não pode ter como objetivo o lucro, e sim a manutenção do custo de vida dos monges e dos mosteiros; e precisa ser fiscalizada constantemente para a garantia de padrões de qualidade.